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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Eu Nazista?

O que aconteceu na Alemanha, ou melhor, com os alemães durante o Terceiro Reich é algo que me assombra e me faz pensar. Não o que Hitler e os demais líderes nazistas fizeram, mas como o povo alemão, ou mais especificamente, com cada alemão individual agiu diante das circunstâncias. Não me passa pela cabeça, e espero que não passe pela sua, que os alemães eram ou são um povo mau. Não, não eram e não são. Um povo como outro qualquer, pessoas como eu ou você, brasileiro, norte-americano, israelense, japonês, angolano ou neo-zelandês. Jovens que amavam suas namoradas, mães zelosas, pais decentes e trabalhadores, avós que, apesar da artrose, faziam doces para seus netos, professoras de jardim de infância, operários comuns, funcionários públicos. Que, no entanto, diante de determinadas circunstâncias, deixaram-se levar por líderes maus, agiram de forma bestial e desumana ou foram coniventes com os que agiam desta forma.

Não vou me deter muito nas circunstâncias. Não sou cientista político nem historiador. Entendo que a Alemanha vivia circunstâncias peculiares: derrotada na Primeira Grande Guerra, foi submetida a sanções terríveis a título de indenização às nações vencedoras daquele conflito. Amargava desemprego, hiperinflação, corrupção generalizada e desesperança. Faz-me lembrar as circunstâncias de alguns países da América Latina, um deles bem grande, começando com B, em passado bem recente. Até aí, nada de novo: a chocadeira perfeita para o ovo da serpente, o caldo de onde surgem e prosperam demagogos manipuladores com hábil oratória; onde se está predisposto a acredita no primeiro que aponte um culpado externo, um bode expiatório a ser sacrificado aos deuses para que estes voltem a sorrir para um povo castigado e sofrido. Algo assim com faz a torcida de um grande clube quando seu time está na zona de rebaixamento: espanca-se um ou dois torcedores do time rival ou da própria torcida, crucifica-se o goleiro que não interceptou um cruzamento e permitiu o gol da vitória adversária, queima-se o técnico em praça pública, picha-se os muros da sede do clube, e parece que fizemos tudo o que era necessário para resolver o problema.

Obrigo-me a me perguntar de vez em quando: e se eu fosse alemão e adulto naqueles anos sombrios? Apoiaria o Partido Nazista? Assistiria, entre extasiado e esperançoso, os discursos do Führer? Seguiria o líder que levaria a mim e a todo o meu povo, escolhido por suas qualidades especiais e superiores, à posição mais elevada entre as nações da Terra (agora fiquei com a impressão de já ter ouvido algo parecido em algum templo religioso)? Será que eu assistiria calado quando meus bons vizinhos, pai, mãe, as crianças que ainda ontem brincavam com meus filhos, fossem expulsos de casa e levados por homens fardados para não sei onde porque que, sim, agora me lembro, acho que eles não comemoram o Natal? Será que eu denunciaria meu colega que disputa meu posto na empresa porque o nome dele termina com Stein? Ou aquele outro vizinho de quem eu não gosto, que compra diariamente o dobro da quantidade de pães necessária à sua família e parece que tem hóspedes no sótão? Prefiro acreditar que eu não estaria imune a fazer tudo isso. Que eu provavelmente não iria por em risco minha família escondendo um amigo pertencente “àquele povo que matou Jesus” no meu porão. Que estaria sujeito, mesmo que não agisse erradamente, a lavar as mãos e assistir a tudo calado. Essas coisas já aconteceram muitas vezes ao longo da História, e, mesmo hoje, continuam acontecendo: tribos africanas, indistinguíveis aos nossos olhos, massacrando-se e mutilando-se mutuamente; hindus e muçulmanos atacando-se, unicamente porque são hindus ou muçulmanos; homens bomba explodindo-se em ônibus cheios de crianças; o próprio Estado judeu negando cidadania e confinando o povo palestino em guetos não muito diferentes do de Varsóvia. Não, a humanidade ainda não aprendeu. E eu, como membro da humanidade, preciso estar atento e desconfiado de mim mesmo todo o tempo. Nunca se sabe. Quando meus princípios são postos à prova, meus interesses querem sempre falar mais alto.

Um comentário:

  1. Este comentário foi-me enviado por E mail por Sabrina Souza: "Sobre o post Eu Nazista?, achei muito interessante a questão levantada por você, Ralph: realmente, até que ponto reafirmamos, na prática, os nossos discursos, quando vemos nossos próprios interesses sendo atingidos? algo a se pensar cotidianamente. Mais especificamente a respeito do assunto nazismo e seguindo esta linha, lembro-me de ter lido um livro interessante, intitulado Os Carrascos Voluntários de Hitler. Não sei se você teve a oportunidade de lê-lo e, caso deseje, posso emprestá-lo a você. Trata-se, se não me falha a memória, da tese de Pós-Doutorado de um Professor de Harvard e, nos idos de 1996, deu o que falar na Alemanha. Encontrei uma crítica não muito favorável no seguinte link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01881999000100016&script=sci_arttext. Porém, ainda assim, acredito que, como tese, a hipótese defendida não é tão descartável assim, como quis insinuar o crítico. Enfim, como sempre, meus parabéns pelos assuntos e pela forma de abordá-los no seu blog!"

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