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domingo, 28 de novembro de 2010

Nossa Vitória Contra a Barbárie

O regime militar que se seguiu à revolução de 1964 deixou como herança uma compreensível aversão a tudo que pudesse ser identificado com o regime de exceção e seus desmandos. Depois, com a volta da democracia, foram aprovadas leis que, juntamente com a nova Constituição, visavam proteger a população em geral, e, especificamente os políticos, seus representantes, de cassações sumárias e de processos na justiça comum, garantindo a eles foro privilegiado. Paralelamente os governadores eleitos trataram de desaparelhar a polícia, vista como instrumento de repressão a serviço da ditadura. No Rio de Janeiro, na transição do Governo Chagas Freitas para o de Leonel Brizola, a ordem passou a ser a de respeitar os direitos humanos de qualquer cidadão, trabalhador ou bandido. Perfeito. Com certeza havia desmandos, mas o que se seguiu na prática foi uma severa restrição à ação da polícia e dos órgãos fiscalizadores do Estado, privilegiando-se de forma louvável a busca da integração das populações mais carentes e marginalizadas ao grosso da sociedade através da educação. Brizola ergueu centenas de CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública - no Estado do Rio, quase sempre junto aos bairros mais carentes. Neles, os jovens estudariam em horário integral, afastando-se do ócio e da tentação do crime. Porém, lamentavelmente, paralisou-se a repressão policial a este mesmo crime, vista como uma agressão de um sistema elitista contra a s populações menos favorecidas. Fez-se vista grossa à proliferação de camelôs por todas as calçadas da cidade, ao transporte ilegal, ao jogo do bicho e a diversas outras atividades da contravenção e, na mesma esteira, da ilegalidade. Foi a senha para que o tráfico proliferasse sem medo nas comunidades mais carentes, sendo muito pouco incomodado.

No entanto, foi justamente a população das favelas a que mais sofreu as conseqüências dessa política tão bem intencionada quanto desastrosa para o Rio. A população “do asfalto”, quando é eventualmente agredida por bandidos, ganha as manchetes dos grandes jornais e organiza passeatas de domingo na orla da Zona Sul, num pedido justo e lícito de paz e repressão ao crime. Já a população das favelas passou a ver as quadrilhas que dominaram suas comunidades imporem diuturnamente o terror, aliciarem seus jovens para o crime, cobrar pedágio, monopolizarem a distribuição de gás, e motivarem ações pontuais e desordenadas do Estado, frequentemente com “perdas colaterais” que, no jargão da polícia, significa morte de inocentes. Pior, as favelas passaram a ser palco freqüente de guerras entre facções rivais por domínio de território para o crime.

Ainda na esteira do vazio da lei e da falta de presença do Estado, pequenos comerciantes, condomínios, bancos, boates, enfim, muitos setores que se viam desprotegidos passaram a contratar segurança particular, o chamado segundo turno dos policiais, que precisavam complementar os magros rendimentos pagos pelo Estado.

O resultado de tudo isso é o que se viu até então. Policiais mal remunerados, mal equipados, e mal vistos pela população entraram em contato pernicioso com o crime encastelado e pouco incomodado nas favelas, descambando inevitavelmente na corrupção policial. A “polícia paralela” que cresceu financiada pela própria sociedade para combater o crime onde o Estado não o fazia fugiu ao controle, instalando-se ela própria nas comunidades e impondo um regime de terror e opressão tão cruel quanto o dos bandidos. Na zona de proteção das assembléias legislativas e do Congresso Nacional, as milícias e o tráfico passaram a infiltrar seus representantes com o apoio ingênuo dos mais pobres; o judiciário passou a ser assediado com subornos polpudos, muitas vezes eficazes; candidatos a cargos executivos passaram a receber tentadores ofertas de donativos de campanha Criou-se para o crime um escudo de proteção eficiente nas esferas mais elevadas do próprio Estado.

Finalmente a Sociedade parece ter-se dado conta dos equívocos do passado recente. A virtual invulnerabilidade do legislativo e do judiciário passou a ser vista como um dispositivo exagerado e pernicioso. A Lei da Ficha Limpa foi aprovada com má vontade pelo Congresso por força do clamor popular, embora a sua aplicação imediata ainda dependa do voto do ocupante a ser escolhido para cadeira vaga no STJ.

Na improvável área da Cultura, o truculento, idealista e incorruptível Capitão Nascimento, personagem de cinema idealizado a partir de livro “A Elite da Tropa”, escrito por ex-policiais do BOPE e um antropólogo, ajudou a virar o jogo da opinião pública. Ao fim de cada sessão do primeiro e do segundo episódios da série Tropa de Elite a audiência invariavelmente aplaude de pé. Foi a senha para o resgate da auto-estima da porção ética e honesta da polícia.

Faltava a gota d’água, que veio justamente de uma ordem desastrada oriunda dos criminosos detidos em presídios de segurança máxima, que tentaram implantar o terror, contando com a covardia das autoridades para encurralar o Estado e a sociedade. O tiro saiu pela culatra, e a casa do crime organizado começou a cair.

Ordenou-se a invasão das comunidades de Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão na Zona da Leopoldina do Rio, de onde teriam partido as ações terroristas. Ressalte-se o papel da Imprensa, cuja cobertura implacável colocou a Sociedade como testemunha das ações, contribuindo para uma ação surpreendentemente civilizada, embora não menos dura, dos órgãos policiais e das forças armadas. Não houve chacina, e as “perdas colaterais” foram insignificantes diante da magnitude da batalha que se apresentava. Alguns, sedentos de sangue, podem ter ficado frustrados, mas o Brasil sinalizou para o mundo que somos um país civilizado.

Parece-me que a Queda do Complexo do Alemão é um dia histórico para o Rio e para o Brasil, talvez tão simbólico quanto a Queda da Bastilha foi para a França e a democracia como um todo. A Sociedade começa a entender que ninguém, pertencente a grupo reprimido no passado por questões de ideologia, política, religião ou raça, pode ter privilégios legais como forma de compensação arrependida. Na sociedade igualitária, todos devem receber oportunidades e tratamentos iguais. Da Lei inclusive.

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