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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Tempos Modernos

“Carlinha, meu amor! Eu já estava preocupado, você demorou.”

Gustavo havia cochilado em frente à TV, enquanto assistia o Saia Justa, e acordou assustado quando Carla, sua mulher, abriu a porta do apartamento.

Ele gostava de assistir o Saia Justa, o Mothern e outros programas do GNT. Queria entender as mulheres, e estes programas eram, ele acreditava, uma boa fonte de informação sobre essa nova criatura social, a Mulher Moderna. Além do que, achava a Maitê gatíssima, apesar da idade. Tinha até comprado e lido dois livros dela. Gustavo considerava-se um homem moderno, antenado com as recentes conquistas femininas. Dizia nas conversas com os amigos que as mulheres estavam dominando o mundo sem que os homens se dessem conta, e que, se eles não acordassem a tempo, logo estariam completamente subjugados. Na véspera, na roda de chope com seus dois amigos inseparáveis, Fabinho e Marcelão, este dera gargalhadas diante das preocupações de Gustavo:

“Tá pra nascer a mulher que vai mandar em mim. Tirando mamãe, lógico, assim mesmo só até eu sair de casa.”

Marcelo havia morado com a mãe, que era fiscal de renda aposentada, até os trinta e três, quando casou-se com Ângela e mudou-se para o apartamento dela. Agora estava morando de favor com Fabinho, desde quando a Ângela descobrira que ele estava tendo um caso com a chefe do departamento onde ele trabalhava. Ângela já havia perdoado uma primeira (nas contas dela) pulada de muro do Marcelo, mas agora, depois de ler os e-mails calientes que ele havia esquecido de deletar, não teve dúvidas: botou ele pra fora de casa no mesmo dia. Também, todos concordavam que ele tinha sido um grande vacilão ao usar como senha do Outlook a data de casamento. E para complicar, a chefe ainda acabou demitindo-o duas semanas depois.

“Marcelão, abre o olho! Então você não vê que nós estamos ficando pra trás?”

“Pra trás nada”, dizia ele pedindo outro chope. Dera para beber mais do que o razoável depois da separação. Dizia que agora fazia o que bem entendia, sem mulher nenhuma para encher-lhe o saco, mas na semana anterior, do alto de um porre, confessara, em choro convulsivo, que não sabia como seguir vivendo sem a Ângela.

“Quero ver aquela ingrata me tirar dinheiro. Não estou nem procurando emprego. Eu já falei com o meu advogado, Dr. Rogério, e eu é que vou pedir pensão pra ela, pra ela deixar de ser besta. Vou viver à custa da safada, ela vai ver.”

Fabinho, que se mantivera calado, com um ar de preocupação, interrompeu as bravatas de Marcelo: “Vamos, Marcelão, já chega. Vamos embora que está na hora de eu pegar a Júlia, que ela já está saindo da pós-graduação, e fica uma arara quando eu atraso”.

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Gustavo procurou o controle remoto entre as almofadas e desligou a TV. Era aniversário de casamento, e ele tinha planejado uma noite romântica, aproveitando que sua filha tinha ido acampar com o namorado. Colocara um prosecco na geladeira, pois Carlinha adorava prosecco, embora ele mesmo preferisse vinho tinto, e deixara o CD da Diana Krall engatilhado no aparelho de som. O atraso de Carlinha não estava nos seus planos. Ela deu-lhe um beijo chocho no alto da cabeça, onde o desmatamento avançava impune, sem qualquer controle do Ibama.

“Oi, Gugu.”

“Que houve amor? Até cochilei. Que horas são? Caramba, dez e dez. Estava aonde?”

“Na despedida de solteiras da Carol e da Bia,” disse ela enquanto caminhava para a suíte tirando os sapatos, Gustavo atrás dela. “Elas vão viajar amanhã. Te avisei ontem que hoje ia demorar, esqueceu?”

“É mesmo, você falou, meu amor, eu é que esqueci”

“Você anda muito esquecido ultimamente, Gustavo. Já marcou o neurologista como eu te falei? Garanto que ainda não. Você nunca faz o que eu falo. Ai, tô morta, e amanhã ainda tenho a apresentação do projeto logo de manhã para aquele cliente de São Paulo. Vou ter que acordar cedinho para revisar as planilhas antes do Pilates. Em vez de ficar aí parado, faz um chazinho de camomila pro seu amorzinho, que eu quero dormir logo.”

Gustavo foi preparar o chazinho. Quando Carla saiu do banho e veio para a cozinha de meias de lã e pijama de calça comprida, ele suspirou arrependido de ter tomado o Viagra.

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