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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Eu e os Gays


Recentemente o governo federal tentou implantar uma cartilha contra a homofobia nas escolas do país. A iniciativa suscitou muitas críticas em relação ao conteúdo da dita cartilha, algumas procedentes e outras não, e ela acabou não sendo distribuída. Mas a ameaça de sua distribuição deixou muitos pais em polvorosa, acreditando que a simples discussão do assunto homossexualidade nas escolas, com ênfase na aceitação social de pessoas que se sentem atraídas afetiva e sexualmente por outras do mesmo gênero poderia induzir seus pimpolhos a fazer a “opção” homossexual. Para eles, esse assunto deveria ser deixado dentro do armário. Em meio ao pânico geral, onde um previsível deputado carioca foi o arauto do apocalipse, disseminaram-se campanhas na internet alegando que o governo só deveria preocupar-se com a homofobia depois que os professores passassem a ter salários justos, que não faltasse merenda de qualidade nas escolas, que a discriminação contra negros e o bullying contra os gordinhos fossem erradicados, etc., etc. Considero todas essas reivindicações justíssimas. Só não entendo porque elas têm que ser resolvidas antes de se abordar a questão da homofobia. E é completamente ridícula a idéia de uma parada do orgulho hétero.

Entendo que possam existir motivações atávicas e irracionais para a dificuldade em aceitar que alguém de sua prole seja homossexual. Afinal, do ponto de vista estritamente biológico, um filho homossexual é um fim de linha, um galho seco na árvore genealógica de nossa descendência. Também entendo que a descoberta de que um filho seja homossexual suscite angústias em relação às barreiras e dificuldades adicionais que ele ou ela encontrará na busca por sua felicidade, justamente pela discriminação que de fato existe na maior parte da sociedade, arrisco dizer. Mas, inversamente ao que costuma ocorrer, essa deveria ser justamente a razão para apoiar ainda mais esse filho em seu caminho na busca de uma posição digna dentro de uma sociedade que tende a lhe ser hostil.

Não existe nenhum consenso em relação às causas da homossexualidade. Um pai ausente e uma mãe superprotetora seria um fator facilitador, mas está longe de ser determinante: nossa sociedade é cheia de mães solteiras e mães abandonadas por maridos ou companheiros, que lutam com bravura para criar seus filhos sem ajuda. Desconheço pesquisa que prove que saiam mais filhos homossexuais de lares chefiados por mulheres. Não foi, até hoje, identificado nenhum “gen gay”. Tampouco foi encontrada qualquer diferença hormonal que possa diferenciar metabolicamente um homo de um heterossexual. É incorreta também a expressão “opção sexual”. Eu não me lembro de, em nenhum momento, ter sentado - no bom sentido (desculpem, meu lado politicamente incorreto deu um espirro) - para decidir se seria hétero ou homossexual. Tenho certeza de que a coisa se dá (atchim!) da mesma forma com os homossexuais. Um dia o menino ou a menina se descobrem atraídos pelo professor ou professora, pelo amigo ou amiga do mesmo gênero. O garoto se dá conta de que está mais interessado no corte da saia que nas coxas roliças da amiga. A menina se descobre excitada com as formas femininas da modelo quando vê anúncio de lingerie. Deve ser um momento assustador, difícil e solitário, e tem que ser muito macho para encarar de frente um impulso interior que contraria tudo aquilo que esperam de você e de seu posicionamento no mundo. É um completo absurdo que qualquer um, principalmente um pai ou uma mãe, deseje que uma pessoa passe toda uma vida fingindo sentir o que não sente e escondendo de todos o que realmente sente. Que seja forçado a enredar outras pessoas desavisadas em relacionamentos infelizes e em casamentos de fachada. Não se pode exigir de ninguém que passe uma vida inteira no armário. As igrejas conservadoras, em especial as evangélicas, contribuem muito para a discriminação e a infelicidade dos homossexuais e suas famílias, ao negar a inescapabilidade do anseio afetivo-sexual.

Na minha infância, dizia-se que um menino mais medroso ou tímido era um maricas. Um mariquinhas, para mim, era só isso: um garoto medroso ou tímido. Depois de ter cursado o primário em um Grupo Escolar (como eram chamados os colégios públicos primários na época) na zona sul de Niterói, fui estudar o ginásio e o científico no Liceu Nilo Peçanha, no centro da cidade. Lá passei pela primeira vez a dividir a sala de aula com alunos e alunas de todos os níveis sócio-econômicos: com negros, brancos e mulatos, com moradores dos morros e de mansões da zona sul, com filhos de juízes e de operários, todos misturados. Foi um grande aprendizado de tolerância para com as diferenças. Existia um catalisador para tudo isso: a bola. No colégio havia sete quadras de esporte, disputadas pelos garotos de todas as turmas no recreio, antes, depois e até durante as aulas. Eu, que até então era um rematado perna de pau, tive de aprender a jogar futebol com um mínimo de eficiência para me incluir no grupo. Havia, no entanto, alguns poucos garotos que não jogavam futebol: uns por serem nerds convictos, que na época eram chamados de CDF (cu de ferro), outros que talvez não quisessem se dar ao trabalho de enfrentar sua falta inata de talento para o esporte. E havia o André.

André, aos treze anos, já era uma bichinha pronta, acabada e convicta (na época era assim que se falava: bicha). Passava o tempo todo cercado de meninas, conversando conversa de menina. Era o queridinho das inspetoras, com quem, às vezes, passava o recreio inteiro conversando. E, surpreendentemente, não era incomodado pelos meninos. Parecia-me muito à vontade em sua diferença, tinha uma personalidade forte, era uma pessoa alegre, gentil e de fácil trato. Nós o aceitávamos como era. Implicávamos um pouco com ele, é verdade, mas muito raramente. Duvido que ele guarde qualquer lembrança de bullying daquela época.

Depois de André, conheci diversos homossexuais ao longo da vida. Havia, por exemplo, dois colegas de turma nas aulas de pintura a óleo com Roberto Paragó. Ambos educadíssimos, cultos, simpáticos, pessoas finas e agradáveis na conversa. Só um gay, no caso um deles, teria a iniciativa gentil de levar uma cesta de vime com pães sortidos, queijos, vinhos, taças e uma toalha xadrez para nosso deleite ao fim de uma aula de pintura ao plain-air. Tenho, ainda, um parente homossexual, pessoa excelente, das mais prestativas e compassivas da família. Ele vive uma relação estável com seu parceiro há já umas boas bodas de prata, enquanto eu mesmo já estou em meu segundo casamento. 

Admito, no entanto, que teria dificuldade em aceitar com naturalidade caso um filho ou filha se declarasse homossexual, pelo menos a princípio. Talvez lamentasse os netos que não viriam, talvez temesse pelas dificuldades que ele ou ela enfrentaria, talvez ficasse imaginando o que amigos e parentes iriam pensar. Mas nenhuma razão, egoísta ou não, justificaria qualquer reação que não fosse de respaldo e ajuda para que sua afetividade pudesse se manifestar com plenitude.  Tenho a certeza de que continuaria a amá-lo e apoiá-lo da mesma forma, talvez mais.

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