Aqui compartilho contos, crônicas, poesia, fotos e artes em geral. Escrevo o que penso, e quero saber o que você pensa também. Comentários são benvindos! (comente como ANÔNIMO e assine no fim do comentário). No "follow by E mail" você pode se cadastrar para ser avisado sempre que pintar novidade no blog.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Intenções


Ofegante e excitada, subiu nos saltos agulha e conferiu-se no espelho. A saia inédita e a blusa decotada que se combinavam pela primeira vez. O tom perfeitamente moreno do colo e das coxas, que se exibiam torneadas a custo muito legpress e spinning, harmonizava com o dos cabelos compridos e lisos que, de manhã, haviam recebido investimento de algumas horas de salão e quatrocentos dinheiros. Aspirando o doce exótico do perfume que emanava do pescoço e dos seios, suspirou satisfeita. Naquela noite não correria nenhum risco de afeto. Só cobiça.

domingo, 11 de setembro de 2011

Fabulinhas Fabulosas: O Filósofo

Filosofia com humor (L. F. Veríssimo)

Havia, há não muito tempo atrás em um reino pouco, pouco distante, um filósofo. O dito filósofo, professor universitário, gozava de grande conceito entre seus pares e muito prestígio nas esferas mais intelectualizadas do reino. A tônica de seu discurso, ou leitmotif, como ele fazia questão de dizer, era a perplexidade do ser humano diante da existência, a sensação de desamparo diante da perspectiva da morte e de esmagamento frente à imensidão do universo, a falta de sentido da existência, a inutilidade do sofrimento, enfim, essas coisinhas que dão camisa e pagam o leitinho das crianças dos psiquiatras e psicoterapeutas e fazem a alegria dos acionistas da indústria farmacêutica. Dava palestras freqüentes e muito concorridas, de onde era impossível o cidadão não sair macambúzio e deprimido, mas aplaudindo a lucidez extraordinária do filósofo. Já dera entrevista para o “Prosa e Verso” e um de seus livros, um romance que se tornara um cult instantâneo, estava em negociação para virar roteiro de filme do González-Iñárritu. Enfim, seu papo deprê dava o maior ibope.

O filósofo não era um homem bonito: magro e pálido, usava os cabelos compridos presos em um rabo de cavalo desajeitado. Fumava muito e bebia pacas: apenas destiladas, nutrindo um gosto especial pelo absinto. Apesar da aparência, tinha um séqüito de mulheres, algumas bem jeitosinhas e diversas exibindo com certo orgulho cicatrizes nos pulsos. Mas, claro, não se fixava em nenhuma. Tinha um rosário de casos curtos com mulheres tidas como as mais inteligentes do pedaço, inclusive uma famosa atriz da novela das nove.

Um dia, desmaiou em meio a uma palestra e foi levado às pressas a um hospital. Foi internado para esclarecimento diagnóstico, e o médico que o atendeu, profissional muito dedicado e da maior competência, virou-o do avesso. Além de gastrite moderada, anemia leve e um início de enfisema, descobriu-se que sofria de hemorróidas e amebíase. Tratada a amebíase e operadas as hemorróidas, teve alta com orientação de dieta, que se abstivesse por um tempo do álcool e parasse de fumar. O médico assistente prescreveu-lhe também um antidepressivo desses moderninhos, que não dão efeitos colaterais.

Contra todas as expectativas, o filósofo seguiu as instruções do doutor. Não sabendo bem se por fim do desconforto orificial, digamos assim, ou por efeito do antidepressivo, sentiu-se bem pela primeira vez na vida. Passou a se alimentar decentemente e não voltou a fumar. Tornou a beber, mas com moderação. Engordou um pouco e passou a exibir uma cor menos pálida, beirando o rosado. Viu-se, para a própria surpresa, rindo de bobagens. Um dia deu uma gargalhada e quase deslocou a mandíbula. Mas passou a ser olhado atravessado pelos antigos colegas de desespero. “Desertor!”, falaram dele pelas costas com desprezo. Nos meios intelectuais disseram que ele se havia vendido ao sistema e abandonado a luta sem causa. O tom de suas palestras ficou um pouco menos pesado, sendo inclusive, vejam só, acusado pelos antigos fãs de deixar entrever alguma esperança para o dilema da vida humana. Aos poucos as platéias passaram a ficar mais ralas e os convites escassearam.

Dizem as más línguas que ele se casou e tem dois filhos. Continua dando aulas na universidade, mas nunca mais escreveu nenhum livro. Foi visto domingo passado dando uma corridinha com a esposa no calçadão da praia. Ele ainda se aborrece um pouco com as vaias ocasionais que recebe, por isso tem evitado aparecer nos bares que costumava freqüentar. Parece que agora está planejando voltar a escrever. Está com idéias para um roteiro de teatro: uma comédia.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Gatão de Meia Idade - Parte 2


Pois bem: Rogério, nosso gatão sem ritmo de jogo, atende o convite da Lidinha para aquele “jantarzinho lá em casa na sexta”. Depois de dar uma conferida nos cabelos no espelho do elevador e desabotoar um botão na camisa, ele chega ao décimo andar. Suspiro, blim-blom. Tudo é expectativa. Então, meu querido leitor, hipoteticamente falando, imagine-se no lugar do Rogério:

1 - “Oííííííííí! Tudo boooooooooom?” Lídinha está de saia rosa, blusa rosa, sandália rosa e tasca duas bitocas em suas bochechas. Ou melhor: três, que ela é de São Paulo. No aparelho de som, Luan Santana ataca com “Meteoro da Paixão”. O Luan está também em um pôster autografado na parede, escoltado por Junior sem Sandy e Daniel. Na estante da sala tem a coleção completa do Paulo Coelho e, no sofá, alguns bichinhos de pelúcia te encaram de uma forma sinistra. Você:

(      ) Pensa que devia ter trazido um bichinho de pelúcia em vez de vinho;
(   ) Se prepara para dançar “Ilarilarilariê ôôô”, beber batida de morango com leite condensado e encara;
(     ) Sai correndo com medo do Conselho Tutelar.

2 – Lídia abre a porta toda vestida de couro preto, com uma corrente no pescoço e sorrindo só com um dos lados da boca. O heavy metal soa vários decibéis acima do tolerável. Você pensa no porquê de nunca ter reparado na enorme tatuagem de caveira que ela tem nas costas. Nem nas olheiras. Deve ser efeito da luz roxa, pensa. Você:

(    ) Se prepara para comer morcego à passarinho, despenteia o cabelo, pede desculpas por não ter trazido pó em vez de  vinho e encara;
(    ) Se pergunta se não vai ser você o jantar em um ritual satânico;
(    ) Na dúvida, sai correndo antes de descobrir.

3 – Lidinha abre a porta e um forte cheiro de incenso invade o corredor do prédio. Ela está descalça, veste uma saia indiana e uma bata colorida, sem sutiã. Fica na ponta dos pés, te dá um beijo na testa e te oferece um chá verde. Pede para você tirar os sapatos e aguardar um pouquinho enquanto ela põe a lasanha vegetariana no forno e traz uns biscoitinhos de soja com gergelim. Junto da janela tem um altar com a imagem de um sujeito com cabeça de elefante e várias fotos de outros caras de cabeça raspada e roupa laranja e vermelha. No outro canto, uma fonte, daquelas com bombinha de aquário, faz barulhinho de água. Você pensa ter visto um duende passar correndo no limite de seu campo visual. Por via das dúvidas, despeja o chá no vaso de planta. Você:

(     ) Fica em posição de lótus, começa a entoar ooooohhhhmmmm, e encara;
(    ) Procura na estante se tem livro de sexo tântrico ou Kama Sutra, para decidir se encara ou não;
(     ) Diz que sua igreja não permite esse tipo de coisa, pede desculpas e sai correndo.

4 – Lidinha abre a porta, te dá um longo beijo na boca. Depois te lança um olhar maroto e diz que tem uma amiga que adora o seu blog e está doidinha para te conhecer. “Você se importa se ela jantar com a gente?” Você gagueja qualquer coisa enquanto ela te puxa para a sala. “Luana, esse é o Rogério, Rogério, essa é a Luana Piovani.” Você:

(    ) Se ajoelha e agradece a Deus;
(    ) Faz cara feia para a Lidinha e diz que, “Puxa vida, pensei que ficaríamos só nós dois”;
(    ) Infarta;
(    ) Fica intimidado e sai correndo.

5 – Lidinha abre a porta, te dá um beijo e diz “Saudações tricolores!” Está vestida de shortinho branco e camiseta baby-look autografada pelo time inteiro do Fluminense. Tem um retrato autografado do Conca na estante e um pôster do campeão brasileiro de 2010 na parede. Pergunta se você não quer assistir o “Arena SporTV” enquanto a pizza Marguerita (tricolor) não fica pronta. Você:

(     ) Grita “Neeeeenseeeee!” e encara;
(     ) Sai correndo, que você não é tricolor;
(    ) Pensa em casamento e a convida para assistir Fluminense e Ceará no Engenhão no próximo sábado à noite.

6 – Lidinha abre a porta sorrindo e te dá um beijinho. Ela está com os cabelos soltos, levemente cacheados, emanando um cheirinho bom de xampu. O perfume é suave. O vestido estampado é leve e rodado, e ela calça sandálias de salto não muito alto. Do aparelho de som vem a voz do Djavan cantando “Flor de Liz”. Na estante, muitos livros, mas nenhum do Paulo Coelho. Tem também vários CDs de jazz, rock e MPB, e várias fotos de viagem com amigas, algumas na Europa. Ela é uma graça, você pensa. A conversa flui fácil, vocês riem muito e descobrem muitas afinidades. Aí, você:

(    ) Sai correndo, porque a mulherada está toda dando sopa e você não quer correr o risco de se amarrar assim, logo na primeira;
(     ) Suspira, lamenta pela mulherada, que vai ter que se virar sem você, e encara.

domingo, 4 de setembro de 2011

Gatão de Meia Idade Volta aos Gramados


Recém saído de um divórcio, Rogério estaciona o carro defronte ao prédio onde mora Lidinha, sua colega de trabalho. Lidinha, que já tinha um olho comprido para Rogério antes da separação, o havia convidado para um “jantarzinho lá em casa na sexta”. Rogério, sem prática há mais de dez anos, está apreensivo na sua volta à cancha:

 “Subo agora às nove em ponto ou espero mais um pouco? Se eu chegar na hora ela vai pensar que sou um chato, obsessivo com horário. E ela pode não estar pronta. Mulher nunca está pronta na hora. Mas se eu demorar demais ela pode achar que eu não estou com muita expectativa. Vou atrasar só um pouco, uns dez minutos. Não, dez minutos e nada dá no mesmo, uns vinte. E o vinho tinto? Levo ou não levo? E se ela preparou peixe? Bom, aí a gente guarda para quando eu fizer uma massa lá em casa. Preciso aprender a preparar uma massa. Será que ela vai achar que eu sou esnobe porque o vinho é francês? Será que ela sabe que este vinho custa só R$ 29,90 no supermercado? Será que eu tirei a etiqueta? Caramba, não tinha tirado! Ainda bem que lembrei. E se ela só gostar de cerveja? E se ela não bebe? Será que o perfume está forte demais? Será que Jean Paul Gautier é perfume de gay? Devia ter posto o Pólo. Não, Pólo é muito formal, coisa de velho. Devia ter posto uma lavandazinha, um cítrico levinho. Também não, isso é coisa de garotão e garotão eu já não sou há muito tempo. Mas devia ter vindo com a camisa pólo, com certeza. Essa listrada de manga comprida é que é de velho. E se eu chegar a tirar a camisa, será que ela gosta de peito cabeludo? Se não gostar, azar dela, que raspar eu não raspo. E ela sem a blusa, como será? De blusa promete, tamanho universal, bem jeitosinha. Será que usa calcinha grande ou cavadinha? Será que ela vai gostar da minha cueca? Ainda bem que não fiz a bobagem de botar a vermelha, onde eu estava com a cabeça de comprar cueca vermelha? Bom, eu sei onde eu estava com a cabeça. Mas a cinza, não tem erro. Será que ela ia gostar mais de  uma samba canção? Samba canção eu não gosto, tudo muito solto, só para dormir.  Será que eu vou dormir aqui já hoje? Será que vão roubar o carro? Se roubarem, tudo bem, seguro é para essas coisas. Eu devia ter cortado o cabelo semana passada. Mas ela só me chamou ontem, nem deu tempo. E cabelo cortado no dia fica todo arrepiado, melhor assim, grandinho. Vamos conversar sobre o quê? Qualquer coisa, do vinho, da comida, da decoração, da música, tranqüilo. Se tiver livros na estante, falamos de livros, sei lá. Desde que não seja sobre Paulo Coelho. Só não vai falar da ex, por favor, se liga, cara. E a música? Posso levar uns CDs de jazz aqui do carro. Mas ela pode não gostar de jazz. Aposto que ela vai botar um Djavanzinho básico, tem cara de quem gosta de Djavan. Flor de Liz é fatal. Se ela botar axé ou pagode eu saio correndo, e se ela trancar a porta eu pulo pela janela. E se tiver cachorrinho peludinho e ciumento, tomara que tenha tela na janela. Caso fique para dormir, vou tentar dormir de lado para ela não saber logo de cara que eu ronco. E tomara que ela não queira dormir abraçada. Até dez minutos a gente agüenta, mais que isso não dá. E se ela estiver no atraso, beber e me atacar antes da sobremesa? E se eu for a sobremesa? Ela me devora e bota os ossinhos no lixo. Ou dá para o cachorrinho peludinho. Tem mortes piores. Não gosto de mulher muito atirada, mas é melhor que mulher que faz doce. Mas se me chamou para a casa dela é que deve estar cheia de má intenção. Sempre gostei do jeitinho da Lidinha. Parece ser divertida, sem grilos. A voz é agradável e... Pára com isso, Rogério! A mulherada toda dando sopa e você já vai querer se enrabichar logo na primeira? Fica esperto! Nove e quinze, acho que já vou subir. Vai fundo, garotão, a noite vai ser boa, relaxa. É no 1003 ou no 1103? Boa noite, senhor, a dona Lídia é no 1003?”