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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Conjecturas a Partir do Occupy Wall Street


Interior da cabana onde viveu H. J. Thoreau. Não tinha HDTV.

(Eu realmente escrevi e enviei hoje a carta abaixo para um grande amigo real, que é economista. Queria compartilhar com ele, mas também com vocês, as minhas inquietações)

Meu querido amigo

Você é o meu único amigo economista. Você é um economista desvinculado de qualquer empresa, um economista acadêmico. Acima de tudo, você é uma das pessoas mais inteligentes e cultas que conheço. Então, você seria a pessoa que poderia dar opiniões relevantes e responder algumas perguntas que me parecem urgentes e me têm afligido muito ultimamente. Eu já fiz essas perguntas a você, mas não tive resposta. Talvez a culpa seja minha, por não colocar as questões de forma clara.

Meu amigo, estou aflito sobre algumas coisas que me parecem da ordem do dia, e queria muito saber sua opinião. Vou tentar fazer as perguntas de forma objetiva, e depois colocá-las no contexto:

Qual será a opção ao atual modelo capitalista de crescimento econômico ininterrupto? O atual modelo centrado nas empresas, no lucro para os acionistas, importação de lucros e benefícios e exportação de lixo, poluição, rejeitos tóxicos, abusos trabalhistas, etc, etc, etc. me parece esgotado. Bateu de frente numa coisa óbvia, que irresponsavelmente o atual sistema foi empurrando com a barriga enquanto pôde: os recursos do planeta não são ilimitados.

Avançaremos cegamente no atual modelo até que ele cause um colapso (que, me parece, já está ocorrendo), ou seremos inteligentes o bastante para mudarmos de rumo antes do desastre?

O que virá depois?

Quais serão os novos paradigmas possíveis?

Hoje, por acaso, me lembrei do famoso livro de Henry James Thoreau que eu li e é uma referência para mim e para muitos: "Walden - A Vida nos Bosques". Você leu? Se não leu, certamente ouviu falar. Thoreau era o filho culto de um proprietário de uma fábrica de lápis em Massachussets na primeira metade do século XIX. A própria visão da indústria florescente, da recém chegada estrada de ferro, da ostentação e desperdício dos mais abastados já presentes naquela época o levaram a tomar refúgio por um par de anos em uma pequena cabana às margens do então selvagem lago Walden. Não viveu à custa do papai. Por uma ninharia, comprou pregos, madeira e duas janelas de demolição, um suporte de ferro para a panela sobre a lareira, etc. Só o estritamente básico. Então, construiu ele mesmo uma cabana às margens do lago. Plantava para subsistência e vendia o excedente. Coletava nos bosques, caçava, estocava para o inverno, etc. Enfim, simplificou ao máximo e tinha muito do que hoje já se entende como sendo a maior riqueza de um homem: tempo livre para pensar, conviver e criar. Buscou a essência da vida, para segundo ele, não chegar ao fim da vida e descobrir que não havia vivido. Não era um eremita. Lia, escrevia, conversava, recebia e visitava pessoas para trocar idéias. Não tinha tranca na porta e muito pouco tinha que merecesse ser roubado. Seus tesouros eram alguns livros e seus escritos, além da paisagem e da natureza quase intacta que o cercava e interagia com ele.

Essa simplificação é uma meta para mim e vem sendo buscada novamente por diversas pessoas individualmente ou em comunidades pelo mundo inteiro. Talvez seja a segunda onda do Flower Power. Talvez menos ingênua dessa vez. Se cada vez mais pessoas voluntariamente caminhasse nessa direção, o consumo diminuiria muito. Consumiríamos menos energia, geraríamos menos lixo, consumiríamos menos bens materiais.

As duas primeiras coisas (menos lixo, menos consumo de energia), todo mundo quer, é unanimidade. A última das três, menor consumo de bens materiais, deixa o capitalismo e os capitalista muito assustados e nervosos.

Os governantes de todos os países alegram-se quando podem anunciar que o consumo de energia elétrica aumentou, o número de automóveis vendidos aumentou, o consumo das famílias aumentou, o comércio vendeu mais, etc., etc.,.etc. E franzem o cenho quando o contrário acontece. Tudo bem, em países onde muitos não alcançaram um padrão de vida decente, no geral dados que traduzam aumento de consumo podem ser uma boa notícia. Os ricos estão cada vez mais ricos, é verdade, mas alguns mais talvez estejam conseguindo superar a linha da pobreza. Mas a redução do consumo também preocupa países como Suécia, Dinamarca, Alemanha, Japão, por exemplo, onde a pobreza é residual.

Parece-me então que a lógica dos governos é míope e está atrelada à lógica das grandes corporações. Crescer, crescer, crescer, consumir mais, mais e mais. Trabalhar mais, mais e mais para alcançar essa meta de acumulação e consumo, que promete a felicidade. Consequentemente há cada vez menos tempo para pensar, meditar os rumos que cada um está dando à sua vida e se ela está sendo encaminhada na direção do que efetivamente pode trazer alegria que não seja apenas temporária, como é a alegria gerada pelo consumo.

Claro, não estou sugerindo que as pessoas passem todas a viver de agricultura de subsistência. Vamos continuar quase todos vivendo em grandes cidades, vivendo de nossos empregos, com família para sustentar. Mas será que precisamos trabalhar tanto, suar tanto para pagar tantas prestações de tantas coisas? Precisamos realmente de todas essas coisas? Precisamos de um carro tão caro e tão novo? Precisamos de dois ou três carros? Precisamos de tantos aparelhos de TV? Precisamos adquirir tantas novidades eletrônicas das quais não sentíamos a menor falta há tão pouco tempo atrás? Precisamos de um relógio tão caro, de mais de um relógio e de tantas roupas e sapatos que mal conseguimos usar, a entulhar nossos armários? Precisamos jogar fora tanta coisa que funciona bem apenas porque surgiu uma mais moderna e mais na moda? Precisamos nos endividar tanto para termos essas coisas, dar tanto  de nosso tempo e trabalho para enriquecer os bancos pagando juros de financiamento?

Vou perguntar de novo. O que ocorreria com a macroeconomia se a maioria das pessoas de países com bom IDH, ou a parcela com bom IDH dos países emergentes, saísse dessa roda viva (samsara para os budistas) de consumo progressivamente maior e priorizasse melhores relações com as pessoas, auto-conhecimento, cultura, lazer, tempo livre, etc.? A economia e a civilização entrariam em colapso, como querem nos fazer crer, ou muito pelo contrário?

Por que esses valores aparentemente intangíveis não são considerados como riquezas pelas nações e pelos seus governos? (o governo do Butão tem, pelo menos no discurso, uma visão diferente.)

O que ocorreria se a maioria das pessoas acordasse dessa hipnose infligida pelas corporações de que "a felicidade é um crediário nas Casas Bahia", como sabiamente sintetizaram os mestres Mamonas?

Será que nós mesmos estamos despertos e atentos em relação a essas questões?

Não penso que o atual sistema deva ser "derrubado" de cima para baixo, de fora para dentro. Não acredito em revoluções impostas e violentas. Acredito apenas em revoluções que aconteçam voluntariamente, de dentro para fora em cada pessoa individual.

Grande amigo: espero uma resposta sua ditada pelo melhor de sua mente e seu espírito, talvez independente das opiniões acadêmicas que você tão bem estuda e conhece. Em outras palavras, medite na sua resposta, pô!

Aguardo com ansiedade sua opinião.

Grande abraço.

Pra quem quiser saber mais sobre "Walden" e Thoreau:

Trechos selecionados em inglês: http://xroads.virginia.edu/~hyper/walden/toc.html

5 comentários:

  1. Como vc tão bem disse, este é o mundo q desejamos e só se faz possível se as atitudes individuais de hoje se multiplicarem pro amanhã... Esta lógica ao reverso deve ser nossa nova Utopia: "Parece-me então que a lógica dos governos é míope e está atrelada à lógica das grandes corporações. Crescer, crescer, crescer, consumir mais, mais e mais. Trabalhar mais, mais e mais para alcançar essa meta de acumulação e consumo, que promete a felicidade. Consequentemente há cada vez menos tempo para pensar, meditar os rumos que cada um está dando à sua vida e se ela está sendo encaminhada na direção do que efetivamente pode trazer alegria que não seja apenas temporária, como é a alegria gerada pelo consumo."

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  2. Ralph, acabei de receber a revista Trip deste mês e o assunto é justamente esse! Assim que ler, volto para a conversa!

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  3. Grd Ralph, as vésperas de ter meu primeiro filho fico pensando como será para nós todos...

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  4. Qual foi a opinião do seu amigo economista, Ralph?

    Posso dar um pitaco? Partirei dos seguintes pressupostos: (1) a Economia é a ciência que estuda o problema da escassez e (2) toda e qualquer decisão envolve custo de oportunidade.

    Penso como você: o mundo não suportará (como já vem demonstrando) este crescimento desenfreado. Porém, apenas a partir do esgotamento total das reservas é que serão buscadas alternativas efetivas. É da própria natureza humana. E assim caminha a humanidade...

    Ou será que foi só o meu pessimismo falando mais alto? Não sei... Sei lá...

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  5. Ralph Antunes,

    Ainda não li "Walden", mas tenho refletido sobre o que você bem sintetizou: "a maior riqueza de um homem: tempo livre para pensar, conviver e criar. Buscou a essência da vida".
    Eu escrevi no meu blog um texto em que abordo o mito da caverna, o que faz as pessoas vivam um mundo de aparências nas quais acreditam ser a realidade. Vivemos um padrão de vida imposto, necessidades impostas, etc.

    Adorei o seu texto.

    Um abraço
    Lucia Regina (amiga da Dra. Livia)

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