Aqui compartilho contos, crônicas, poesia, fotos e artes em geral. Escrevo o que penso, e quero saber o que você pensa também. Comentários são benvindos! (comente como ANÔNIMO e assine no fim do comentário). No "follow by E mail" você pode se cadastrar para ser avisado sempre que pintar novidade no blog.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cinquentinha

Decoração legal. Amarelo. Amarelo o quê mesmo? Açafrão, isso! Amarelo açafrão. Mesma cor daquele arroz com açafrão que eu pedia às vezes no jantar naquele hotel em São Paulo. Era bom. Sentava embaixo da luminária, naquela mesa do canto, ficava lendo Nelson Rodrigues, tomando coca-cola com limão e comendo arroz com açafrão. O arroz acompanhava o quê? Frango, acho que era frango. Depois aquele expresso fazendo derreter na boca a pastilha de chocolate amargo com menta. Delícia. Ficou legal essa parede amarela, coisa de arquiteta ou arquiteto gay. Homem não pensa em amarelo açafrão. Será que o médico é gay? Só me falta, eu prestes a levar uma dedada de um urologista gay. Paranóia. Todo mundo aqui nesta sala já levou dedada. Aquele senhor magrinho, cabelo branco, não está nem aí, já deve ter levado muitas. A gente acostuma. A gente acostuma com tudo na vida, dedada é o de menos. Câncer. Câncer é dose. Difícil. Mas acho que até isso a gente acaba acostumando. Será que o velhinho já teve câncer? Se teve e operou, deve ter ficado brocha. Também, na idade dele, não deve fazer muita diferença mesmo. Olha só a mulher dele, já devem ser casados há séculos, bodas de plutônio. Será que ainda transam? Difícil. Viver junto sem sexo, acho que a gente acostuma também. Perde a vontade, não sente falta. Fica só a amizade, legal, já fizeram tanta coisa juntos. Já transaram muito, já constituíram família, filhos, netos. Difícil olhar pra essa velha e imaginar ela novinha, gostosinha. O marido dela deve ver ela novinha e gostosinha ainda. Amor faz essas coisas. Eu acho.  Mas quem olha assim acha que ela já nasceu velha, com ruga e pelanca. Mas ela já foi gatinha, foi sim. Tá junto com ele aqui, até no câncer. Se é que ele está com câncer. Vai ver, está botando prótese peniana. Não, ele não. Aquele outro ali, sim. É meio velho também, mas pinta o cabelo. Ridículo. Eu não vou pintar o cabelo. Ainda bem que ainda tenho todos os meus cabelos. Pelo menos, ainda não dei falta de nenhum. Tem até uns novos nascendo na orelha. Acho que nunca vou ficar careca. Vou ficar é grisalho, a mulherada gosta. Definitivamente, não vou pintar o cabelo. Ele deve ter mulher nova, novo casamento, fica fazendo essas coisas ridículas, pintar o cabelo, usar camiseta. Talvez estivesse melhor com alguém da idade dele. Esse negócio de casar com mulher mais nova deve ser complicado, ficar aturando aquelas inseguranças de quem ainda não se afirmou. “Tô bonita? Tô feia? Tô gorda? A chefe me persegue...” Haja paciência. Não sei se paga a pena, só pela carne dura. Sexo é só um pedacinho do dia. No início, é mais, mas depois é só um pedacinho, e depois, nem é todo dia. E o resto do tempo? E quando você tem um problema e não tem uma mulher madura pra te ouvir? A secretária deve ser sozinha, só pode. Deve ter sido escolhida pela mulher do médico. Cabelo curto, sem pintura, sapato baixo. Essa aí já morreu para os homens, só deve pensar nos filhos, que, vai ver, nem ligam pra ela. Ou então não é nada disso. Como é que as mulheres só querem ler Caras, meu? Podendo ler tanta coisa que acrescente ficam lendo Caras. Depois a gente vai conversar e assunto que preste, nada, só fofoca. Me lembra aquela garota com quem eu saí uma vez, como era mesmo o nome? Tânia, isso, Tânia. Gatinha, mas não deu pra encarar. Com meia hora de conversa já estava se repetindo, não tinha assunto, como é que pode, só abobrinha. A porta abriu, acho que agora é minha vez, o doutor está me chamando. Caramba, que mão enorme.

5 comentários:

  1. É verdade,agente se acostuma a tudo na vida,mas é difícil...
    Achei muito interessante vc relatar esse fato e compará-lo a outros.O cotidiano tem facetas que podemos olhar,de cada vez,sob um ângulo diferente e assim,tirar novas lições.Parabéns!
    Maria Lucia Arruda

    ResponderExcluir
  2. Demais esse texto. Muito divertido e, ao mesmo tempo, instrutivo.Vou passar para os amigos homens para, pelo menos, levarem um pouco na esportiva a tão necessária "dedada" depois dos "enta". E quanto às cores, açafrão não é tão suspeita, se fosse fúcsia, sei não...se bem que, nos dias de hoje, até fissurados em futebol são suspeitos, vai que o sujeito goste mesmo é das "encoxadas" e da mão boba nos "tesouros da família" na hora do jogo, rsrsrs.
    Rosemery Nunes

    ResponderExcluir
  3. A sensação mais engraçada pra mim, neste seu texto, é que ao terminar a leitura fiquei pensando: quantos anos deve ter este homem, que tece considerações a respeito da cor da parede do consultório, da vida sexual do velhinho, da calvície, de relacionamento com mulher mais nova, do tamanho da mão do urologista??? E a resposta estava lá, no título do próprio post!!! Pode achar que estou inventando, mas eu mesma me impressionei com isso... E tenho a desconfiança (mera desconfiança) que essa sensação não foi por acaso, né?! Hehehehehehe...

    Ralph, mais uma vez, parabéns pela qualidade dos seus textos e obrigada por compartilhá-los conosco!!

    ResponderExcluir
  4. Claro que não foi por acaso. Mas acho que são questionamentos universais da idade masculina. Valeu, minha leitora mais fiel!

    ResponderExcluir
  5. Gostei demais, tens observações ótimas, também quando estou numa sala de espera de um consultório, fico reparando e analizando tudo, desde a cor das paredes quanto ao mobiliário. Olho as pessoas que também esperam e fico imaginando coisas, já vividas por mim. Exemplo, quando fui ao consultório do meu endocrinologista, (meu agora, pois nem o conhecia e não entendia o porque de estar ali). Não sentia nada, só inchava, retenho líquidos, contei ao médico de meu marido, que tomava diuréticos, por ordem médica, o homem ficou louco da vida, brigou com meu marido, achou um absurdo e disse leva no fulano, mas quem é fulano? Pergunta o meu marido. Êle deu as explicações devidas , muito contrariada acabei por insistência marcando hora. Lá fui eu , danada da vida, demorou demais a me atender, já estava decidida a ir embora, quando me aparece um anãozinho da "branca de neve",e me faz entrar. Lá fui eu, com pensamento positivo, (não tenho nada, que tolice estar aqui)!Finalmentes, nódulo na tireóide, como DR.?mais não sinto nada! nunca tenho nada! Infelizmente tem sim. Perguntei, isso é cirúrgico ou clínico?°Vamos ver, PODES IR AO RIO?Pensei, (estou ferrada), quando mandam pro RIO...saí de lá me sentindo um sêr de outro planeta.
    Portanto, fico imaginando o que espera aquela gente toda lá?Naquele consultorio cafona, será que vão passar pelo que passei?Era um nódulo frio, mas escapei do câncer!Ganhei 20 kilos e uma corda vocal lesada!Acho que não são só questionamentos masculinos, os femininos também questionam, e como! Casar com alguém mais velho, também é dose!Tudo na vida tem seu preço.Vamos tocando o bonde,saiba que os filhos e netos , somem, ficamos sós!Aproveite bem os seus, pois não são nossos, como dizia KALIU GIBRAN.
    PARABÉNS RALPH, adoro ler e conhecer você, foi um prazer emcontra-los hoje.
    Mariza.

    ResponderExcluir