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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Companhias à mesa


1. Frutas e frutinhas

O restaurante a quilo está cheio, e as mesas são quase coladas umas às outras. O rapaz vestido com cuidado na combinação das cores, óculos escuros segurando no lugar os cabelos cuidadosamente desalinhados, se aproxima de minha mesa e pergunta se a mesa ao lado está vaga. Boca cheia, faço um gesto para que fique à vontade. Ele então pousa o prato com sushis e sashimis e a tigelinha de shoyo, sentando-se em seguida. Um garçom se aproxima com a presteza dos restaurantes de alta rotatividade:

“O Sr. já pediu a bebida?”

Meu vizinho, como que atordoado pela pergunta assim, de chofre, faz um ar pensativo. Súbito, uma luz lhe perpassa o semblante e ele, decidido, tasca: “Tem suco de lichia?”

“Lichia, infelizmente não temos.”

A mirada de meu comensal se abate por um breve momento, mas logo se refaz:  “E de frutas vermelhas, vocês têm?”

O garçom, solícito, esforça-se em repassar na memória todas as frutas disponíveis na casa, selecionando-as pela cor. Mamão é alaranjado, não é vermelho. Será que caqui pode ser considerado vermelho? Melancia é rosa escuro, fúcsia ou vermelho? “Temos melancia e morango”, conclui sem disfarçar o alívio em poder bem atender o freguês.

“Não tem framboesa?”

“Framboesa, não, infelizmente. Só melancia e morango.”

O rapaz está visivelmente decepcionado. Suspira discretamente, fazer o quê? “Tá bom, então melancia com morango”, conforma-se. Em seu âmago toma uma decisão irrevogável: nunca mais adentrar um restaurante sem antes certificar-se da variedade de seu acervo de frutinhas vermelhas.

2. Quatro queijos

Estou em São Paulo a trabalho. Meu colega sugere irmos a uma churrascaria para o jantar e, pelo celular, convida o Paranhos, um amigo dele que também está na cidade para nos fazer companhia. Eu, que não sou entusiasta de churrasco, concordo passivamente com a indicação de “uma ótima lá no Bixiga”.

Quando descemos do táxi, Paranhos já nos espera à porta do restaurante. Já  conhecia o Paranhos de encontros de trabalho. Cabelos grisalhos, quase brancos recobrindo cuidadosamente as orelhas, pele de janeiro a janeiro em tom de havaiano de filme, blazer elegante e sapatos caros. Cumprimentamo-nos com entusiasmo e entramos. Pedimos cervejas, menos o Paranhos que pede um 12 anos. Saboreado o primeiro gole, nos dedicamos a analisar com cuidado as muitas opções de carne do cardápio. Um sorriso maligno se acende, então, no rosto do amigo de meu amigo.

“Repara só, vou ferrar com eles agora,” anuncia. Faz um rosto de candura angelical enquanto chama o garçom. “Amigo, eu estou pensando em pedir um espaguete aos quatro queijos. Você pode me informar quais são os quatro queijos que vocês usam aqui?”

O garçom, obviamente, não sabe. “Vou pedir ao maitre que venha atendê-los”, esquiva-se.

Vem o maitre: “Parmegiano, camembert, roquefort e mussarela, Sr”.

Vez do Paranhos seguir com o jogo. “Posso ver qual é o Roquefort que vocês estão usando?”

O maitre transpira ligeiramente nas têmporas. “Vou verificar e trago já para o Sr.”

Paranhos antecipa a vitória: “Duvido que eles tenham roquefort. É sempre assim, eles anunciam quatro queijos e não passa de mussarela, parmesão de terceira mais um cheirinho de gorgonzola nacional. E olhe lá!”

O maitre volta derrotado: “Sinto muito, Sr., mas hoje não temos mais como servir a massa aos quatro queijos.”

Paranhos sorri em triunfo. Ganhou a noite. Eu penso que deveria ter ficado no quarto do hotel assistindo futebol e comendo pizza.

3. Catuaba

Estação da Central do Brasil, quatro da tarde de sexta. Tomo um refresco de maracujá no balcão do bar, observando o vai e vem de gente apressada a caminho da cidade ou das plataformas onde tomarão o trem que os levará de volta ao subúrbio. Um homem moreno de meia idade, trajando bermuda, chinelos e camiseta sem mangas senta-se no banco ao lado. Tem uma barriga daquelas com muita história para contar e ostenta um bigode grisalho, do tipo que era moda entre os PMs no tempo em que eu fazia residência médica no Hospital da itimorata corporação Policial Militar do Rio de Janeiro. Transpiramos os dois no calor democrático do dezembro carioca.

“Ô Carlinhos, me vê um Caga-Sangue no capricho e uma cerva bem gelada, que hoje não está mole não,” grita ele para o rapaz do balcão. “Mas antes me traz uma catuaba, falou?”

Irmanados no suor, trocamos um breve olhar solidário. Uma voz rouca e poderosa irrompe do salão da estação:

“Fala, mermão! Não morreu ainda não, seu corno?”

Meu companheiro de balcão se ergue abrindo o sorriso e os braços. “E aí, seu veado? Já largou a velha?”

“Que velha, pô?”

“A velha mania de dar!” E os dois caem na gargalhada.

O balconista volta: “Hoje estamos sem catuaba, seu Geraldo.”

“Então manda um Fogo Paulista.”

“Está precisando disso agora, é?”, caçoa o amigo? Novas gargalhadas.

Deixo os dois discutindo as perspectivas de Flamengo e Vasco para o ano seguinte e saio em direção à Presidente Vargas assoviando um samba de Paulinho da Viola. Hoje vai ter vuco-vuco depois da novela das nove lá em Vigário Geral.

4 comentários:

  1. ...boas provocações, personagens bons para uns textos maiores, mais enredos, sei lá eu! Gostei.
    Mario.

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  2. Fiquei pensando aqui: como seria um encontro do rapaz da framboesa com o Paranhos e o Seu Geraldo, hein?! Explosivo, no mínimo...

    Ótimas histórias! Ótimo entretenimento!

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  3. SEMPRE MUITO BOM , COMO DIZ SUA AMIGA SASSÁ, SERIA UM ENCONTRO BEM INTERESSANTE DE SE VER!
    QUANTO Á AQUARELA, ESTÁ BELÍSSIMA, MUITO BOA A SUA CÓPIA, MUITO PERFEITA!
    HOJE TE MANDEI UM EMAIL DE AQUARELAS, ACHO QUE VAIS GOSTAR!
    J´ZA TE FALEI QUE PINTO?TEM UM QUADRO MEU NA LINHA DO TEMPO MINHA, OU NA DE TETE, TERZA CRISTINA SCHOTT. EM MENSAGENS, SE CONSEGUIR ENVIO PARA VC, DOIS DELES, POIS OS OUTROS EU PRECISO APRENDER A COLOCAR OS RETRATOS NO FACEBOOK. VAI DE E-MAIL MESMO.
    BJKS, MARIZA.

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