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sábado, 24 de março de 2012

Decidir com o coração?


Rogério ultimamente vem gastando bem mais do que deve ou pode. A fatura de seu cartão de crédito vinha sendo quitada integralmente a cada mês, mas já faz mais de ano que parte da dívida é sistematicamente rolada para o mês seguinte. Rogério tem economias aplicadas em caderneta de poupança em volume suficiente para quitar o total de seu débito com o cartão, que vem se avolumando como bola de neve. Apesar de suas aplicações renderem pouco mais de 0,5% ao mês e os juros cobrados pelo cartão serem superiores a 6% em igual período, ele se recusa a tocar no dinheiro que guarda para o futuro dos filhos ou para um imprevisto. “As economias são sagradas e nelas eu só mexo em último caso”, diz seguro e orgulhoso. Antes do fim do ano a dívida do cartão vai ultrapassar o valor das economias, mas Rogério parece não se dar conta disso.

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Sabrina é uma mulher alta, de porte elegante e rosto bonito. Nasceu em uma pequena cidade do interior, mas foi completar os estudos na capital e acabou por tornar-se uma profissional bem sucedida, já tendo trabalhado para multinacionais em Porto Alegre e Curitiba. Apesar de, por um determinado tempo, ter priorizado a carreira, diz que nunca deixou de ser romântica. Pouco depois dos trinta reparou que quase todas as suas amigas estavam casadas e ela ainda solteira. Não que tivesse dificuldades em conseguir encontros e namoros: atraente como é isso nunca foi problema. Então, movida por um sutil desespero, ela decidiu que já era hora de arranjar alguém para casar. Talvez fosse essa urgência que transparecesse em seus relacionamentos a partir daí, talvez os homens se sentissem pressionados a assumir compromisso mais sério, o fato é que ela, paradoxalmente, passou a ter dificuldade em levar a duração de qualquer relacionamento além de uns poucos encontros. Num fim de dezembro, numa visita aos pais em sua cidadezinha natal, soube que Eric, uns dez anos mais velho que ela e antigo namorado de juventude, havia se divorciado. Deu um jeito de encontrá-lo em uma festa e abanar aquele fogo antigo. Para encurtar a história, em seis meses estavam morando juntos. A carreira? Ela pediu demissão de seu emprego em Curitiba e, com indicação de amigos, conseguiu uma colocação na prefeitura local. O salário? Bem menos da metade do que recebia antes. Valeu a pena? Essa resposta é um pouco mais complicada. A princípio sentia-se radiante em poder ir às festas e apresentar Eric como “meu marido”. Tinha o lar que sempre sonhou, gostava de limpar e enfeitar a casa e cuidar do marido. Só faltavam os filhos, um que fosse, para sua felicidade ser completa. Aí as coisas começaram a desandar. No primeiro casamento, Eric não tivera filhos. A princípio dizia a Sabrina que era melhor ficarem um tempo só os dois. Depois de alguns anos, como Sabrina insistisse no assunto, confessou que não tinha nenhuma intenção de deixar descendência. Disse e tomou providências. Temeroso de que a mulher deixasse de usar métodos anticoncepcionais, passou ele mesmo a tomar esse cuidado. Com o tempo, radicalizou: passou a evitar qualquer contato sexual. Infeliz e chorosa, Sabrina desabafava com os amigos. Esses eram unânimes: “Largue o Eric e procure outra pessoa.” Passados nove anos, Sabrina continua casada e infeliz. Não tem qualquer filho que a prenda a seu relacionamento atual. Sente raiva de Eric. Tanta raiva que, talvez por vingança, tem mantido um caso extraconjugal com um homem casado. Já passou dos quarenta, e a maternidade vai se tornando um sonho difícil de realizar.

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Pedro Paulo, pouco depois de formar-se em engenharia, fundou com dois colegas de faculdade uma pequena indústria. Investiram no negócio as economias próprias e dos familiares. Fabricavam artigos eletromecânicos inovadores. Depois de muito esforço e dedicação, conseguiram seu espaço no mercado. Na época, trinta e poucos anos atrás, havia pouca concorrência estrangeira, e os produtos eram duráveis e confiáveis. O negócio deslanchou e ficaram quase ricos. Davam a suas famílias vidas bastante confortáveis e sentiam-se orgulhosos de seu empreendimento. Os anos se passaram e o mercado mudou. Duas multinacionais instalaram-se quase simultaneamente no país e passaram a produzir equipamentos para o mesmo fim. Não eram tão duráveis e confiáveis, mas utilizavam componentes eletrônicos chineses e eram vendidos por menos da metade do preço da concorrência. A indústria de Pedro Paulo começou a perder mercado. Reuniram-se os sócios e os filhos dos sócios, já adultos, para decidirem que rumo tomar. Poderiam tomar empréstimos para diversificar e modernizar sua linha de produtos. Poderiam vender a indústria enquanto ela valia alguma coisa, e havia pelo menos um interessado. Ou poderiam deixar a coisa como estava e aguardar os acontecimentos. As duas primeiras opções implicariam em desapegarem-se do passado, fazer sacrifícios e buscar novas perspectivas, talvez até em outro campo de negócios. Luiz Carlos, um dos fundadores, era favorável a tomarem empréstimos para investimentos, mas foi voto vencido. Os empréstimos acabaram sendo tomados, mas usados apenas para quitar dívidas com fornecedores. Luiz Carlos acabou vendendo sua parte aos outros sócios e, usando seus conhecimentos no mercado, abriu uma distribuidora. Vai muito bem, obrigado. Pedro Paulo e o outro sócio remanescente têm fortes ligações afetivas com a empresa, com os antigos funcionários, com o galpão da fábrica, com suas rotinas de trinta anos. Estão naufragando lenta e inexoravelmente agarrados ao passado.

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Em uma crônica anterior* rendi homenagens aos nossos antepassados, ilustres desconhecidos que, baseados na avaliação lúcida e objetiva da realidade, tiveram o discernimento e a coragem de tomar a decisão acertada na hora devida. A eles devemos a nossa existência. A eles devemos a sobrevivência da espécie humana. Eles souberam usar adequadamente sua maior vantagem evolutiva, a inteligência e a capacidade de, racionalmente, prever os lances seguintes de cada possibilidade. Desvencilharam-se de seus condicionamentos e de seus medos para nos trazerem até este ponto em que estamos. Ainda existem hoje seres humanos com essa capacidade e deveríamos nos esforçar para sermos um deles. A felicidade e talvez a sobrevivência nossa e de nossos eventuais descendentes dependem disso. E, no entanto, fico abismado com a quantidade de pessoas que fecham os olhos ao óbvio e, guiadas pelas emoções, deixam de tomar tempestivamente a decisão correta. De minha parte, procuro guardar a emoção para os momentos de bonança. Para, apaixonadamente, acarinhar minha mulher e meus filhos e torcer por meu time de coração. Já na hora crucial da decisão, quero estar de posse de minha inteligência e racionalidade.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Bosque de Chenonceau, França

Bosque de Chenonceau, França
(sobre foto que tiramos no local em 2010)