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domingo, 15 de abril de 2012

Oxford Street - London

Rainy Afternoon, Oxford Street - London

domingo, 8 de abril de 2012

A Soma e a Unidade


Não é hora para sentir essas coisas, não ainda. Algo decente dentro de mim deveria impedir esses sentimentos inoportunos, essa luxúria egocêntrica, esse calor onde só deveria haver frio, um frio escuro e quieto. Será que eu não presto? Serei egoísta e insensível? Ingratidão, isso, ingrata é o que eu sou.

Tudo o que vivemos juntos, eu e Fábio, o namoro, o noivado, a paixão, as dificuldades do início do casamento. Às vezes em que gostaríamos de ter jantado fora, de termos viajado, e os dois ali, parceiros, economizando para as prestações do dois quartos na Zona Sul. Ele dando plantões no fim de semana enquanto eu contribuía só com a bolsa do mestrado. Depois, a gravidez da Júlia, depois a da Bianca, o dinheiro parecendo que ia ser curto a vida inteira. E a vida a dois sacrificada, o sexo sacrificado em nome do projeto família. Ele nunca se queixou. Um santo. Realmente, nunca vi queixa, nem em seus olhos, nem nas entrelinhas. Eu não era assim, tão santa.  A duras penas engolia as minhas insatisfações, às vezes engasgava e elas caíam na mesa, injustas, mas vivas e pulsantes. Nem disso ele se queixava. Amava mesmo assim a mim, as meninas, o apartamento pequeno, o projeto que era mais dele do que meu.

As promoções, os progressos financeiros, o posto de major, o primeiro de sua turma a alcançá-lo, eram para o projeto de família, para mim e para as meninas. Enfim, a viagem foi possível: os quatro para a Disney. Os quatro, sempre os quatro. Ele era uma fração do quatro, enquanto eu nunca deixei de ser uma unidade. Nunca tive essa capacidade, esse esvaziamento da individualidade. Eu queria ser apenas eu. Queria ser amada como Paula, como mulher, como amante, não apenas como mãe ou esposa. Difícil admitir tanta ingratidão. A sorte grande, o marido perfeito, bonito, trabalhador e bom pai. O genro que meus pais sonharam. Quando eu chorava baixinho à noite ele acordava perguntado “Que foi meu bem?” e me beijava as lágrimas e me acarinhava o cabelo, e eu chorando aquelas lágrimas injustas e egoístas. Ele poderia ser como a maioria: chegar tarde sem deixar bem claro o por quê, beber com os amigos, voltar cheirando a cerveja e desabar na cama. Eu lhe tiraria os sapatos e maldiria a minha sorte, desejaria com o peito arfante o dia em que ele chegaria sóbrio ou menos bêbado e me possuiria à força. Talvez isso me fizesse infeliz e apaixonada. Mas não fui nem uma coisa nem outra.

E então a apendicite. O diagnóstico protelado. A peritonite. “Cuide bem das meninas”, ele disse ainda. Desde então, quatro meses de vida em turbilhão, no tambor da máquina de lavar. Chorei sim, chorei muito, mas, depois de uma semana, não chorava mais. Sem nenhum esforço, a tristeza secou. “Pelo bem das meninas,” menti, “tenho que ser forte”. Não precisei fazer força, e essa verdade me dá bofetadas na cara. “Nossa, como você é forte, como você está bem!” Será que eles desconfiam que não foi tão difícil como deveria ser?

E agora a vontade de rir, que tenho que modular. Acho graça nas coisas que me contam, quero uma roda com as amigas, quero saber das novidades e da vida alheia. Quero beber e gargalhar como há muito tempo não faço. A pensão integral não deixa que eu perca o sono por causa de dinheiro. E eu sonho. Sonho com Fábio, ele me acaricia os cabelos e beija as minhas lágrimas. Mas quando o sonho me abrasa e desperto ofegante, sonho com alguém que não tem rosto. Quando acordo, só o que quero é descobrir qual é o rosto desse homem que, na noite, me faz mulher.