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domingo, 19 de agosto de 2012

Igrejinha de São Francisco, Niterói

Nem todos os niteroienses sabem qual é o São Francisco padroeiro do bairro e da igreja. É o Xavier, e não o de Assis. Foi fundada por José de Anchieta em 1572, sendo uma das mais antigas do Brasil.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

sábado, 4 de agosto de 2012

Dez Anos de Um Casamento


Em abril de 2002 eu dispunha de dinheiro suficiente para comprar um carro novo e estava disposto a fazê-lo. Estava naquela mesma situação na qual milhões de seres humanos se encontram todos os anos, e o que cada um decide fazer neste momento diz muito sobre a personalidade individual, além do aspecto mais óbvio de seus recursos financeiros. Adquiri na época um Land Rover Defender 110 semi-novo, então com apenas 15.000 km rodados. Estou com o mesmo e único carro desde então, um casamento fiel e monogâmico, e não tenho nenhuma intenção de trocá-lo em futuro visível. Já são mais de dez anos de uma relação prazerosa, e o odômetro está prestes a alcançar 200.000 km. Apesar da saúde invejável, o jipão vai ganhar de presente em breve uma revisão caprichada, com troca do óleo do diferencial e da caixa de marchas, substituição de algumas mangueiras e talvez umas buchas de suspensão. Nada além disso. Em todo este tempo, ele deu pouquíssima oficina e nunca me deixou a pé na rua ou na estrada. Ele já me levou com a família aos Parques Nacionais dos Aparados da Serra (RS), do Descobrimento (BA) e da Serra do Cipó (MG). Não foi ainda à Patagônia, mas é questão de tempo. Hoje fiquei me perguntando por que eu o escolhi e estou há tanto tempo com ele. São muitas respostas.

Eu desejava um carro que pudesse levar a minha família de seis pessoas por qualquer tipo de estrada até os recantos mais difíceis da nossa paisagem. O Defender se encaixava nesse perfil. Isso resume apenas as razões objetivas.

O Defender é um projeto de 1983. Suas linhas, hoje bastante ultrapassadas, são retas e passam longe de qualquer vestígio de aerodinâmica. Ostenta o mesmo jeitão de seu antecedente mais antigo, o Land Rover Série 1, lançado em 1948 na Inglaterra. No entanto, tornou-se um ícone da indústria automobilística, assim como o Fusca, o Citroen 2CV, o Jeep Willys e o Ford ModeloT. É o veículo adotado pelo Exército Brasileiro, pelas forças da Nações Unidas e por muitos exércitos de países europeus. É grande, ruim de jogo, precisa de pelo menos uma manobra adicional de vai-e-vem para encaixar-se em uma vaga, e não cabe em qualquer vaga. A embreagem e o freio são duros e a posição do motorista não é das melhores. O nível de ruído interno beira o ensurdecedor e a vedação de água e poeira é sofrível. Por outro lado, leva sete pessoas, sua suspensão quase indestrutível, seu câmbio e sua direção são surpreendentemente macios e a tração integral nas quatro rodas garante estabilidade invejável nas subidas e descidas de serra. É meu transporte seguro na terra, na lama e no asfalto, muitas vezes com meio metro ou mais de água na rua ou atravessando um riacho. Para ele, não tem tempo ruim nem estrada difícil. Mas, claro, existem muitos outros argumentos além dos aspectos meramente mecânicos.

Dirigir um carro grande deixa o motorista sentindo-se um pouco superior ao restante dos mortais. Existe um prazer egoísta e quase inconfessável ao ver motoristas de carros pequenos emparelharem comigo no sinal e ficarem olhando com o rabo do olho o pneuzão aro 16 e tala 265 batendo quase na altura do vidro do outro carro. Nas bolas divididas do trânsito, em geral o “adversário” recolhe e dá passagem, embora nem sempre. Quando usamos de gentileza e cedemos passagem, parece que estamos dizendo: “eu sou grande e forte, mas mesmo assim serei magnânimo e vou deixar você passar”. Pensamentos ridículos, mas reais.

Quando se dirige um Defender na estrada, acontece uma coisa que, creio, não acontece com nenhum outro carro. Toda vez que dois Defenders cruzam um com o outro, os irmãos se cumprimentam com calorosas piscadas de farol. Notar que isso acontece apenas entre Defenders, e não vale para outros modelos da Land Rover como Discoverys, Freelanders ou Range Rovers, os primos ricos e frescos. Muito menos para Pajeros e cia. Já Toyotas Bandeirantes podem ser dignos de nossa simpatia, até porque muitos donos de Defenders começaram por Bandeirantes, e donos de Bandeirantes não raro sonham em ter um Defender.

Donos de Defenders amam a lama e não têm medo de sujar seus carros, (o que não é o caso para a maioria dos donos de Pajeros e Hilux), muito pelo contrário. Poucas coisas são mais prazerosas que atravessar atoleiros fatais para a maioria dos outros carros acionando quando necessário o câmbio reduzido e a trava do diferencial, o que geralmente é dispensável. Ouvir o ronco do turbo-diesel com seu característico acompanhamento de castanholas empurrando o veículo morro acima e lama adentro, ir escorregando e sacolejando, girando o volante com fúria para a esquerda e para a direita para não sair da estrada deixa a maioria das mulheres no banco do carona dando gritinhos nervosos e a nossa adrenalina em níveis de prazer quase sexual. E depois, o orgulho em desfilar por um ou dois dias ostentando as condecorações de lama pelo asfalto da cidade, antes da necessária lavada. E lavou, novo.

Não troco de carro há dez anos por vária s razões. As versões mais novas do carro, além de muito caras, têm uma série de itens de eletrônica embarcada, como ABS, controle de tração e até sensores que informam a profundidade da água do riacho adiante do pára-choque. Fica um sentimento de que os fabricantes do velho e tosco mastodonte sentiram-se inferiorizados em relação a seus concorrentes mais modernos. Mas aderir a essas modernidades implicaria em deixar de confiar nos instintos e na habilidade do piloto em conduzir o bicho. Meio como se fôssemos Luke Skywalker dispensando o capacete da tecnologia e confiando nos instintos para atacar com sua nave o lado sujo da força. Além do quê, toda essa parafernália eletrônica quando enguiça paralisa o carro e castiga o bolso. A mecânica das versões mais antigas é bem mais simples, fácil e barata de reparar. Existe ainda um ideal romântico, incongruente com o fato de se possuir um carro grande e poluidor. Trocar de carro implica em ativar todas as muitas engrenagens da indústria na produção de um novo veículo, com o conseqüente gasto de energia, consumo de matéria prima, eletricidade, combustível e água em sua fabricação. Penso que não se deveria trocar de carro antes de os custos de manutenção ficarem incompatíveis e os defeitos se tornarem freqüentes. Trocas de carro em intervalos pequenos me parecem mais fruto do desejo de ostentar um carro novo para os outros verem do que de razões mais práticas e objetivas, inclusive financeiras. A indústria automobilística sabe manipular com extrema habilidade esses aspectos inconscientes que movem os seres humanos enquanto consumidores de seus produtos. Mas seria hipocrisia minha não reconhecer a minha própria vulnerabilidade a esses apelos, até pelos muitos aspectos não objetivos que acabei de confessar. Mas gosto de pensar que, pelo menos, tento estar consciente deles.

Assim, vamos mantendo nossa longa relação. Imagino-me até bígamo, tendo um carrinho ágil e econômico para circular na cidade, mas mantendo o Defender para subir a serra e viajar. Espero que ele não seja ciumento.


Fazendo graça: Atenção: Não tente fazer isso se seu carro não for um Defender!