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sábado, 24 de novembro de 2012

Mulheres de Cinza


Vinha eu acompanhando e saboreando as mudanças sociais dos últimos cinquenta anos no que se refere aos avanços da posição da mulher na sociedade, acreditando que elas (vocês) vinham galgando degrau após degrau a escada da igualdade de direitos, quando, de repente, a trilogia “Cinquenta Tons de Cinza” surge como um fenômeno literário neste início de milênio. Como assim, senhorita? Como assim, minha senhora?

Há cinquenta e poucos anos, quando nasci, não existia ainda a pílula anticoncepcional, que veio a libertar a sexualidade feminina da obrigatoriedade da procriação  e desencadeou todo o processo que alterou completamente o des(equilíbrio) de poder entre os sexos. No Iêmen os pais continuam vendendo suas filhas de 12 anos em casamento, e no Afeganistão as adúlteras ainda são apedrejadas. Mas, pelo menos em nosso mundo classe média-alta ocidental, a situação feminina na sociedade vem evoluindo aceleradamente, se não na direção à igualdade de papéis (na qual não acredito), pelo menos na direção da igualdade de direitos (à qual sou plenamente favorável, e nem poderia deixar de ser). Nossa presidente é mulher e não vejo nenhuma necessidade de chamá-la de presidenta, pois não será a única nem a última (acabei de descobrir que o Word não grifou de vermelho a presidenta, o que acaba sendo uma contradição cromo-político-ortográfica). Temos duas ministras mulheres no STF e acaba de ser promovida a primeira oficial-general de nossas Forças Armadas. As mulheres brasileiras têm hoje autonomia sobre a própria natalidade e geram, em média, menos de dois filhos cada; chefiam sozinhas mais de um terço dos lares e contribuem financeiramente em três quartos deles. Elas caminham rapidamente em direção à igualdade salarial e ocupam inúmeros cargos de chefia em todos os escalões. Fatos.

A dificuldade que muitos homens esclarecidos demonstram em reconhecer, ou, quem sabe, admitir essas mudanças na nossa sociedade me causa espanto. Já ouvi homens dizerem, não totalmente como piada, que, se não fosse pelo órgão sexual, não dariam nem bom dia às mulheres. Há ainda homens incapazes de se relacionar com uma mulher como apenas dois seres humanos, sem conotação erótica, como amigos, como companheiros ombro a ombro no trabalho. Acho isso um espanto. No fundo, enxergo o receio masculino de que os homens venham a ter seu papel relegado apenas a abrir potes de conserva e matar baratas.

Eu, particularmente, nunca tive problemas em ter amizades com mulheres, mas admito que, na minha geração, isso era uma exceção. E não sei se hoje as coisas estão muito diferentes. Há ainda quem acredite que homem que é homem tem amigo homem, que mulher em idade reprodutiva, ou é da família (tabu) ou deve sempre ser olhada como uma potencial parceira sexual. Não que eu ache que uma amizade intergenérica não possa nunca vir a assumir tons coloridos. Já cheguei a namorar uma amiga, o que acabou com a amizade, diga-se de passagem. Tinha e tenho boas, novas e antigas, amizades com mulheres. Ouvir o ponto de vista feminino sobre determinado assunto é mais do que apenas a opinião de outra pessoa. Muitas vezes é como a visão de alguém do outro lado de uma fronteira, de outro planeta talvez, o que sempre enriquece a conversa e acrescenta ingredientes novos numa discussão.

E então vem a Sra. E. L. James e nos apresenta a inocente Anastasia Steele, jovem e inexperiente (nunca tivera namorado). Uma estudante de Literatura Inglesa completamente iletrada nas artes do sexo e do amor. A inocente mocinha entrega seu corpo vestido de tênis e calça jeans aos caprichos sadomasoquistas do misterioso Christian Grey, homem poderoso e de hábitos sofisticados (além de rico e lindo, claro). Desequilíbrio maior impossível. Submissão total. Parece que, lá pelo terceiro volume da trilogia, a mocinha cresce emocionalmente e resgata seu amante-algoz de sofrimentos íntimos oriundos de seu passado. Mas não é por esse desfecho edificante, que acaba convergindo para os das novelas de Jane Austen por caminhos muito (põe muito nisso) distintos, que as mulheres estão lendo o livro. Claro que não.

As feministas estão possessas. Andaram até convocando para uma queima pública dos ditos livros diante da editora, acrescentando mais alguns tons de cinza à trilogia. Particularmente, acho queimar livro, seja ele qual for, uma prática obscurantista. Mas a bronca delas é legítima. Como, depois de tantas passeatas, de tantas mártires, de tantos sutiãs queimados, depois da lei Maria da Penha e da tipificação do assédio sexual como crime, as maiores beneficiárias das conquistas femininas, as mulheres letradas e endinheiradas o suficiente para comprarem e lerem um romance suspiram e gemem imaginando-se na pele da indefesa mocinha voluntariamente entregue ao macho poderoso e distante emocionalmente? Soa a traição.

Claro, pode ser que as mulheres estejam apenas se dando o direito de ler um texto picante, que as deixa excitadas e assumindo isso em público: no metrô, na sala de espera do doutor ou na praia, e nada além disso. Muito justo, mais um direito conquistado. Mas haverá algo mais por baixo dessa interpretação simplista? Será que as coisas andaram rápido demais para elas? Estarão inseguras sem um macho que as respalde na reunião de condomínio quando o clima esquenta? Não querem tanta igualdade assim? Não sei a resposta. O que me parece é que, mesmo que hoje elas tenham conseguido que a sociedade aceite (ou pelo menos admita) que elas troquem beijos com um desconhecido na balada sem emitir julgamentos de caráter, as mulheres, ou boa parte delas, não abriram mão do mito do príncipe encantado. Apenas substituíram o cavalo branco pelo carrão branco do ano. Querem alguém que as proteja, que as excite, que as trate como rainhas na vida e tenha pegada firme na cama. Alguém que ganhe tanto ou mais que elas, que assuma as despesas da casa se ela resolver ficar mais um tempo cuidando do bebê. Alguém que as faça felizes. Não são todas, friso bem, mas acho que ainda é uma grande parcela. Arrisco dizer que é a maioria. Tudo bem, as coisas caminham em ritmos diferentes em diferentes partes das sociedades, em diferentes cabeças. Mas delegar a outro alguém a responsabilidade pela própria felicidade é e será sempre uma roubada. Seja você homem ou mulher. O que é, para todos os efeitos práticos, muito diferente de querer compartilhar e multiplicar a própria felicidade com alguém com qualidades e defeitos.

4 comentários:

  1. Ralph, quanto mais eu vivo e, consequentemente, envelheço, menos acho que "as coisas caminham em ritmos diferentes em diferentes partes das sociedades, em diferentes cabeças", sabe?

    No final das contas, é isso aí: a meu ver, mesmo as feministas mais radicais ficam "inseguras sem um macho que as respalde na reunião de condomínio quando o clima esquenta", "querem alguém que as proteja, que as excite, que as trate como rainhas na vida e tenha pegada firme na cama" etc, etc, etc. Difícil é fazê-las admitir isso. Mas, penso que o discurso anda beeem dissonante da prática, viu?

    Enfim, adorei o seu texto! E o trecho que mais me alegrou foi aquele em que você compara o ponto de vista feminino à "visão de alguém do outro lado de uma fronteira", exaltando que isto "sempre enriquece a conversa e acrescenta ingredientes novos numa discussão". Penso exatamente assim, ao conhecer o ponto de vista masculino acerca de um assunto específico que movimenta uma rodinha feminina. E aquele que não enxerga este tesouro, a meu ver, perde muito dos papos desta vida...

    Um abraço! Continue nos presenteando sempre!

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  2. Gostei do que você escreveu, também me faz pensar naquela velha frase "...de médico e monstros todos temos um pouco", vai lá saber o que se passa no íntimo das mlheres. Ja vi coisas que até Deus duvida e o Diabo teme rsrsrsrsrs

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  3. Adorei seu texto Ralph, uma bela homenagem as suas colegas lutadoras nessa semana de aniversario de formatura que nos colocou tao perto outra vez, a ponto de podermos ver como todos, homens ou mulheres trabalhamos igual , sofremos e nos alegramos igualmente nesses trinta anos e contribuimos igualmente para a melhoria da vida que nos procuraram, com o melhor que a Cieecia e as condicoes locais nos permitiram fazer no momento. Recebemos iguais conhecimentos e com eles fizemos a nossa vida, em igualdade de condicoes no meu entender.
    Acho que a Medicina eh uma das profissoes mais democraticas hoje no Brasil. Foi dificil fazer minha vida , tendo escolhido a cirurgia, imperio de homens , mas nao foi impossivel. A qualidade do trabalho acaba se impondo e, no final, quem escolhe eh o cliente. Podemos usar o nosso talento para conquista-lo e faze-lo cofiar em nos.
    A proposito, nao li "50 tons de cinza". Pra dizer a verdade, tenho uma pilha de coisas mais interessantes para ler aguardando um pouco de tempo livre.
    Grande abraco
    Monica

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  4. Com todo respeito as mulheres! Mas movimentos (mach/femin) istas são as maiores idiotices presentes no mundo atual (tá certo que antigamente as mulheres não tinha muito direitos mas hoje em dia é imbecilidade, já que afirmo dizer tem mais direitos que nós homens). Levando em consideração os momentos atuais podemos já ver igualdade entre os gêneros até mesmo nas traições conjugais hehehehe... As mulheres traem tanto ou mais que o homem só que sabem mentir muito bem se fazem de vítimas e quando traem nunca a culpa são delas (mas claro sempre existe exceções). Reclamam de um livro ficional como se fosse a coisa mais descabeçada que existe, se pegarem romances eróticos voltado para mulheres verão que existe mais putaria do que este livro aí! E ainda por cima se julgam no direito de crucificar os outros por escrever algo ficcional, me ajuda aí pô!

    Feministas radicais já que é tão ruim assim os homens tornem se assexuadas hahahaha...

    Já eu prefiro as mulheres frágeis, meigas e carinhosas que tratam as pessoas com igualdade pois dependo de vocês para ser feliz e não tenho vergonha de admitir isso.

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