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segunda-feira, 27 de maio de 2013

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Mulher com Borogodó




Em crônica recente, Joaquim Ferreira dos Santos sugeriu que Luana Piovani dedicasse um programa do “Super Bonita”, que ela apresenta no canal GNT, às mulheres normais, imperfeitas no que se refere à beleza. Sugestão esta que foi declinada com veemência: "Ninguém vai assistir um programa que incentive a inércia no duvidoso", ela protestou. "Incentivamos a sua melhor versão. Todos temos! Agora, você me diz onde estão esses homens que curtem bunda mole com furinhos, a testa giga, barriguinha e cabelos crespos polvorosos porque no planeta que moro, homem tá mais vaidoso que a gente".

Não vou ser hipócrita de fazer aqui apologia da feiura. Concordo com a Luana quando ela diz que todos temos que buscar nossa melhor versão. Mas a comparação com pessoas que nascem com genética privilegiada no que se refere à aparência física pode causar muita frustração aos demais viventes. Não há plástica ou academia que vá me deixar minha melhor versão minimamente comparável com o nível de beleza de um Brad Pitt. O que não faz sentido é imaginarmos que perfeição estética é pré-requisito para a felicidade no amor. Todos conhecemos aquela pessoa linda que não consegue segurar um relacionamento e aquela outra que, apesar de não constar no primeiro time da beleza, tem séquitos de admiradores(as) esperando a fila andar.

A beleza é um abre alas, não resta dúvida. Diante de uma pessoa bonita abrimos, vulneráveis, nossas defesas, às vezes de forma imprudente. A beleza desperta-nos sorrisos e boa vontade. É um bem que, além do óbvio apelo erótico, inconsciente e automaticamente associamos à virtude. Automatismo esse que, muitas vezes, não resiste a dois segundos de razão. Felizmente, amor e felicidade são mais democráticos que a beleza.

Então, o que é que têm algumas pessoas que não são do primeiro time dos belos que as torna capazes de cativar admiradores e apaixonados? Um outro fator, talvez mais intangível que a beleza: o borogodó.

Borogodó faz uma mulher se apaixonar por um homem mais baixo e abrir mão do salto alto pelo resto da vida, e a Carla Bruni está aí que não me deixa mentir. Borogodó nos faz amar a gordinha, a magrela e aquela de nariz cheio de personalidade. E o que, afinal, é esse tal de borogodó? As definições podem ser muito subjetivas e variar de pessoa para pessoa: para uns pode ser tornozelo grosso, para outros a voz meio rouquinha ou um sotaque gaúcho. Para algumas pode ser peito cabeludo ou covinha no queixo. Eu, por exemplo, no que se refere à aparência, curto cabelo comprido e umas outras coisinhas mais, que eu não vou abrir aqui por que não vem ao caso. Mas vamos fugir dos aspectos físicos e nos atermos à atitude e, longe de qualquer rigor cientifico, limitar-nos a dizer aqui o que é que tem a mulher com borogodó na nossa modesta e muito particular opinião. Apesar de que alguns requisitos, penso eu, são universais.

Mulher com borogodó (MCB) é bem humorada. Não tem nada mais anti-borogodó do que mau humor. Por ser bem humorada, o sorriso é estado natural da MCB. Não um sorriso estudado, de miss ou de dançarina de auditório, mas um sorriso que é o transbordamento natural do prazer que a MCB tem em viver.

MCB é feminina, mas não é infantil. É feliz em ser mulher e não inveja nem critica os homens apenas por serem eles homens. Ela agradece a Deus por Ele tê-los posto no mundo, da mesma forma que os homens com borogodó O louvam por ter Ele inventado a mulher.

MCB acredita que estaria melhor com um bom homem a seu lado, mas fica muito bem sozinha. MCB não troca sua solidão pela companhia de um qualquer. MCB não está ali pedindo para ser resgatada da solidão. Ela sabe bem que homem bem resolvido não gosta de bancar o caminhão guincho, daqueles com a frase “eu vou tirar você deste lugar” pintada no para-choque. Quem precisa de guincho é mulher enguiçada, e não MCB.

Na cama, a MCB não fica se comportando como um belo prato a ser desfrutado por um felizardo, nem entra na pista com freio de mão puxado. MCB entra em campo à vontade e se diverte tanto quanto seu parceiro.

MCB olha nos olhos com uma confiança relaxada. Não faz caras, bocas nem gestos estudados, pois confia nos atributos de seu borogodó e não finge ser o que não é. Não obstante, ela tem um jeitinho todo especial de ajeitar os cabelos e de andar com graça mesmo quando está com pressa, que ela exercita distraída e espontaneamente.

MCB sente-se bem vestida para festa, mas muito mais ainda quando está mais à vontade. MCB veste jeans e camisa, calça uma sandália com saltinho, põe um batonzinho e uma lavanda e esbanja borogodó por onde passa.

Mulher bonita a gente sonha ou planeja pegar, mas MCB desperta na gente vontade de namorar, de passear de mão dada, de ver um pôr do sol ou ouvir uma música juntinho. E depois amar.

Então, minhas amigas, permitam-me um humilde conselho. Frequentem a academia, malhem, endureçam o bumbum e a barriguinha para serem seguidas por olhos gulosos pela rua. Mas se quiserem encantar profundamente um homem, exercitem-se também no borogodó.


20.000!

Vinte mil acessos! Obrigado, leitores, vocês são a razão de eu escrever. E, assim como o Rheyner está a caminho dos 1.000 gols, eu quero comemorar os 100.000 em breve com vocês.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O Rebanho Listrado

Um rebanho de cardiologistas e uma felina predadora.

Estou na fila de retirada de material de um simpósio médico internacional em São Paulo. Serão dois dias, sábado e domingo, em horário integral, onde eu e outros cardiologistas tentaremos nos inteirar dos mais recentes avanços na fronteira da ciência médica. Quase todos estão aqui graças aos incentivos para educação médica continuada da indústria farmacêutica, o que, em outras palavras, significa que estamos aqui graciosamente. O que não significa que haja muita graça nesta fila de médicos, quase todos veteranos, a julgar pelos abdomes convexos e pelas cabeças grisalhas ou calvas. São poucos os jovens; a indústria farmacêutica tende a investir em cardiologistas com clientela estabelecida e com calos de estetoscópio nos canais auditivos. Os colegas paulistanos são a maioria e fazem questão de confirmar o estereótipo que existe na minha cabeça: branquelos bem barbeados com olhos esverdeados e sobrenomes sempre terminados em “eli”, “ali” ou “ani”. Há alguns de olhos escuros, cabelos castanhos e narizes avantajados, os necessários representantes médicos das tradicionais famílias libanesas cristãs-maronitas da Paulicéia. Independente da origem familiar, uma variação infinita sobre o tema listras-verticais-finas-coloridas-sobre-fundo-branco impera nas camisas de meus colegas, e minha própria não é exceção. Sou uma zebra em uma manada de zebras. Mas cada profissão tem seu código de vestuário, fazer o quê? Fosse um congresso de homeopatas, talvez houvesse alguns de bata de algodão e sandálias sem meia, mas não é o caso. A exceção na fauna cardiológica masculina, se é que poderíamos incluí-lo na categoria, é um rapaz com camisa para fora da calça skinny, jaqueta preta de couro envelhecido e um par de sapatos de verniz de bico finíssimo, capaz de matar formiguinha no canto do consultório. Um metrossexual, para dizer o mínimo, ou um glorioso antílope pastando em meio a nós, zebras sem graça.

Mulheres, há poucas. Cardiologia ainda é uma especialidade de homens, pelo menos na minha geração. Quanta diferença em relação ao congresso de endocrinologia em que me meti há um ano! Senti-me o Marcello Mastroianni no filme “Cidade das Mulheres” de Fellini. As poucas representantes femininas aqui fazem, em sua maioria, o figurino deselegância-discreta, reforçando o mito. Há, no entanto, uma exceção gloriosa na fila: uma bela quarentona e suas pernas perfeitamente torneadas prudentemente envolvidas em  finas meias de nylon, que despontam de sob um vestido curto em padrão de oncinha para equilibrarem-se em saltos altíssimos. Os longos cabelos alisados e alourados à custa de várias centenas de reais emolduram o olhar felino que espreita a nós, o rebanho listrado. Distraio-me observando aquelas pernas, em especial quando a dona, aparentemente sem motivo, debruça-se sobre o balcão de atendimento, revelando alguns centímetros a mais de suas possantes patas traseiras de predadora.

Pego o material quando chega a minha vez. Depois observo as várias rodinhas de médicos sorridentes que se cumprimentam estapeando-se nas costas com variados graus de vigor: ex-professores e seus ex-alunos, ex-colegas de plantão, de faculdade e de residência. Talvez este seja o ponto alto dos congressos e simpósios. Não quero ser uma exceção solitária. Há poucos niteroienses aqui, mas logo avisto um amigo e mais outro e mais outro. Seremos companheiros nos próximos dois dias, trocando impressões técnicas e tentando absorver da melhor maneira possível as novidades que nos serão expostas. Relembraremos velhas histórias, contaremos casos, clínicos e pessoais, dividiremos uma ou duas confidências. À noite, encorajados por um bom vinho, contaremos piadas e daremos risadas à volta de uma mesa de pratos de massa. E assim são os congressos médicos.