Aqui compartilho contos, crônicas, poesia, fotos e artes em geral. Escrevo o que penso, e quero saber o que você pensa também. Comentários são benvindos! (comente como ANÔNIMO e assine no fim do comentário). No "follow by E mail" você pode se cadastrar para ser avisado sempre que pintar novidade no blog.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Diários de Viagem: Cotswold, UK

As paisagens e vilas da série Downton Abbey, que vem fazendo sucesso na TV a cabo, remeteu-me à nossa visita à região de Cotswold em 2010. Havíamos passado alguns dias usufruindo da hospitalidade de nossos amigos Marcus e Tina em Putney, o charmoso bairro na área sul de Londres. Agora, por sugestão deles, rumávamos de carro para o norte. Meus neurônios, depois das dificuldades iniciais, estavam se reprogramando com surpreendente rapidez para dirigir pelo lado esquerdo da estrada e ao volante do lado direito de nosso Ford Focus. Depois de uma visita à veneranda cidade universitária de Oxford, deixávamo-nos guiar pelos comandos de Mildred, a voz britânica e feminina de nosso GPS. Tínhamos feito reserva num bed & breakfast nos arredores da cidade de Chippin Campden, que seria nossa base nas incursões pela região.

The Ebrington Arms
(clique nas fotos para ampliá-las)
No fim da tarde, depois de levar-nos através de estradinhas vicinais impecavelmente asfaltadas que cortavam pequenas propriedades rurais, Mildred deixou-nos diante do Ebrington Arms, uma  pequena hospedagem que vem recebendo viajantes desde 1730, erguida em pedra amarelada no tradicional estilo da região. Fomos alojados em um dos cinco únicos aposentos e desfizemos as malas imaginando o que nos aguardaria no jantar. Ebrington Arms é considerado o segundo melhor “gastro pub” inglês fora de Londres. Na mesa do quarto, a indispensável chaleira elétrica e uma seleção de chás.

Quando descemos, por volta das sete da noite, os dois pequenos salões, ambos com lareira, estavam lotados de famílias de veranistas, provavelmente de Londres ou alguma outra cidade grande, os atuais proprietários de diversas das antigas casas rurais dos arredores. No balcão do bar, adornado com reluzentes torneiras de latão dourado com suas placas esmaltadas reproduzindo as marcas das diversas ales disponíveis na casa, fazendeiros refaziam-se da labuta do dia bebendo generosas pints do líquido dourado. Ales são as típicas cervejas inglesas, Marcus havia me ensinado alguns dias antes em Londres. Ao contrário das lagers, leves, claras e amargas como as cervejas mais populares do Brasil, as ales são mais douradas, menos amargas, ligeiramente doces e mais encorpadas. As muitas centenas de marcas regionais exibem cada uma sua própria combinação de aromas e sabores que misturam frutas e ervas em infinitas harmonizações. Os barris de metal ficam, em geral, alojados no subsolo do pub, e ligados por tubulação de metal às torneiras de onde sai a cerveja na exata temperatura do andar de baixo. O fato de chegarem frias, mas não geladas a ponto de anestesiar o paladar, permite que, em qualquer estação do ano, seja possível apreciar em profundidade cada nota de seus sabores.

Os homens em torno do balcão muito provavelmente não estavam atentos a essas sutilezas. Eram, vim a saber depois, quase todos fazendeiros ou trabalhadores das pequenas propriedades rurais em redor, que vinham bater papo e relaxar depois de cada dia de trabalho pesado. Animado depois de descer uma primeira pint (caneca de cerca de 600 ml),  puxei Suely comigo para o balcão. Pedimos nossa segunda caneca e entramos na conversa. Charlie, um fazendeiro mais ou menos da minha idade, a cor vermelha do rosto queimado de sol realçada pela cerveja, engatou falação. E, claro, acabamos falando sobre o Brasil. Como era de se esperar, os conhecimentos dele sobre nós não iam muito além do futebol, este assunto que derrete a cerimônia em qualquer lugar do mundo, mais ainda na Inglaterra.

Pouco mais tarde, de volta à nossa mesa, resolvi encarar o “prato do camponês”, uma reforçada seleção de linguiças, queijos, pão preto, feijão e batatas assadas. Veio na quantidade ideal para quem tivesse passado o dia ordenhando vacas, lavando o curral, arando o campo e consertando cercas. Para mim era bem além do necessário. Apesar de meu empenho, não dei conta de tudo.

English breakfast
Na manhã seguinte iríamos conhecer as cidadezinhas e vilas centenárias dos arredores. Antes, porém, um típico English breakfast: mais linguiças, feijão doce, tomates assados, queijos, ovos mexidos, pães rústicos de vários tipos, manteiga, leite, café e geleias variadas. E chá com adoçante, para não perder a linha. O gerente do turno da manhã era Johnny Corn. Parecia-se com aquilo que na minha imaginação seria um típico inglês do interior: ruivo, robusto e bem falante. Pedimos informações sobre os melhores lugares a serem visitados nos arredores. Ele nos deu diversas dicas de vilarejos off the circuit e muniu-nos de mapas e sugestões. Aproveitei para perguntar se ele não conseguiria para mim alguns porta copos, aquelas rodelas de cartão, de algumas das marcas de cervejas da região para minha coleção. Ele ficou de providenciar.

O Land Rover série III ainda dá duro em Ebrington.
Deixando a hospedagem, nos deparamos com um velho Land Rover série III, que combinava perfeitamente com o cenário. Aliás, vimos diversos Land Rover pelas estradinhas, na maioria Defenders mas também alguns Discovery. Nenhum deles desfilava nas mãos de motoristas urbanos e suas famílias; eles pegavam no pesado, puxando carretas cheias de feno e esterco ou rebocando maquinário agrícola. Afinal, foi para isso que eles foram desenvolvidos.

Stanway House, em Santnway.
Atravessamos pastos cheios de ovelhas brancas de cabeças negras. Cotswold desenvolveu-se e tornou-se uma das áreas mais ricas da Inglaterra no século XVII graças ao comércio de lã e à florescente indústria têxtil, motor da revolução industrial. A classe média que dela surgiu encabeçou as reivindicações que enfraqueceram os poderes da nobreza e redistribuíram as forças políticas britânicas. A Revolução Gloriosa acabou por submeter a realeza ao Parlamento, no que seria a primeira democracia ocidental moderna. Atravessando os campos e bosques, volta e meia tínhamos que reduzir  a velocidade para dar passagem a famílias de perdizes e até um texugo. Seguindo o roteiro de Johnny, atingimos diversos lugarejos como Snowshill, Upper Slaughter, Lower Slaughter, Stanway e Stanton, além da própria Chippin Campdem.

Cemitério e igreja em Snowshill
Cada vila erguia-se como uma cena de aquarela do século XIX , tendo a igreja ao centro, invariavelmente com um cemitério a seu lado. A curiosidade nos levou a ficar lendo as lápides, muitas com mais de 300, 400 anos, calculando a idade com que cada morador havia ido parar naquelas vivendas da eternidade. Algumas descreviam a causa morte, tipo, “disenteria infecciosa em algum lugar da África”. As vilas menores pareciam adormecidas. Mas, por detrás dos vidros das janelas e das paredes de pedra, havia cortinas brancas, livros, vasos de plantas e brinquedos. Morava gente naquelas casas de cenário, mas era difícil ver vivalma. Um ruído leve denunciou um sacristão trancando atrás de si a porta pesada de madeira nos fundos de uma igreja, como numa cena de filme.


Casamento em Lower Slaughter.
Não, o de vestido comprido branco não é a noiva.
Em Lower Slaughter, o repicar de sinos anunciou um casamento prestes a acontecer. O noivo, jovem oficial do exército de sua majestade, foi saudado solenemente por seus companheiros de caserna antes de entrar na igreja, enquanto as madrinhas, a dama e o pajem, além do padre, aguardavam ainda a noiva, que não tardou a chegar num Rolls Royce. Minha máquina fotográfica disparando e registrando tudo.

À noite, de volta a Ebrington, Johnny entregou-me diversos porta-copos e uma toalha com a logomarca de uma ale, usada para enxugar o fundo das canecas depois de enchê-las, para não molhar o balcão. Em retribuição, ofereci-lhe uma flâmula do Fluminense Futebol Clube que sempre levo nas viagens para ocasiões como aquela, e ele pendurou-a em uma das prateleiras do pub da hospedaria. Johnny, um fã de futebol, torce pelo Stoke City, time que havia retornado havia pouco à primeira divisão inglesa. O Stoke já teve seus dias de glória quando contava em suas fileiras com o lendário Stanley Matthews, um dos maiores astros da história do futebol inglês de todos os tempos, e feito Lord pela rainha.



Johnny Corn, Sir Stanley Mattheus e a flâmula do Tricolor.
De volta ao Brasil, enviei a Johnny um e-mail comunicando que o Fluminense havia se sagrado campeão brasileiro naquele ano. Que ele, então, exibisse com orgulho aquela flâmula. Em retribuição, ele enviou-me uma foto segurando a flâmula tricolor defronte ao monumento em homenagem a Sir Stanley Matthews, na cidade de Stoke. Valeu, Johnny!

Nenhum comentário:

Postar um comentário