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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Crônicas Californianas 2: São Francisco

(clique nos links em "laranja" para ver cenas dos filmes)

Entre as grandes cidades americanas, apenas Nova York rivaliza com São Francisco em termos de apelo cultural e charme, em minha opinião. E sendo relativamente pequena (800 mil habitantes) quando comparada a outras grandes cidades de destino na América, torna-se mais amigável e acolhedora. A simples perspectiva de ver a Golden Gate Bridge já era razão mais que suficiente para desejar conhecê-la. Ver de perto a locação onde Kim Novak se joga nas águas geladas da baía bem debaixo da ponte e é resgatada por James Stewart em “Vertigo” (“Um Corpo Que Cai”), descer pelas mesmas ladeiras e lombadas por onde Steve McQueen fez uma das mais alucinantes perseguições automobilísticas da história do cinema em "Bullit" (duelo de V8s: Charger x Mustang) ou ficar defronte a uma das casinhas vitorianas onde Robin Williams foi trabalhar como babá dos próprios filhos caracterizado como Mrs. Doubtfire em “Uma Babá Quase Perfeita” eram outros desejos a serem realizados. Gosto de fazer e recomendo que o leitor também experimente: assistir quantos filmes puder ambientados na cidade ou região que se vai visitar, seja ela Paris (“Antes do Por do Sol”), Nova York (“Tiros em NY”, de Woody Allen) ou a Toscana (“Sob o Sol da Toscana”) por exemplo. É uma maneira de preparar o espírito e ambientar o coração com antecedência. Quando finalmente nos vemos na mesma locação, a sensação é de estarmos vivendo uma cena de filme, só que real.

Além de cenários famosos, São Francisco tem uma história movimentada. Foi fundada a partir de uma missão de padres franciscanos espanhóis  junto à povoação de Yerba Buena em 1776. Já anexada pelos Estados Unidos depois da guerra contra o México, foi sacudida pela corrida do ouro quando este foi descoberto logo ali na Sierra Nevada em 1849 (daí o nome do time de futebol americano local ser “San Francisco 49ers”). Aventureiros de todo o mundo acorreram à Califórnia, inclusive milhares de chineses e japoneses. Outro sacolejo, este mais violento, aconteceu em 1906: o famoso terremoto que, com o incêndio de três dias que se seguiu, destruiu três quartos da cidade. Rapidamente reconstruída, São Francisco foi a principal sede naval americana no Pacífico durante a Segunda Grande Guerra. Todos os japoneses foram então expropriados e trancafiados em campos de concentração (poucos retornaram à cidade depois) e uma forte migração negra do leste veio trabalhar nos estaleiros. Depois da guerra, a cidade, já tão cosmopolita, passou a atrair artistas, músicos e escritores, inclusive muitos daqueles que estavam na Europa nos “anos loucos”. Estes lançaram os alicerces do que viria a se tornar a capital americana da contracultura, da geração “beat” dos anos 1950, dos hippies dos 1960 e da comunidade gay americana nos anos 1970-80. Talvez não seja apenas coincidência o nome do primeiro povoamento ter sido Yerba Buena (erva boa).


Cada etapa dessa história conturbada deixou sua marca: o centro da cidade exibe arranha-céus à prova de terremotos e casinhas vitorianas no mesmo enquadramento de câmara. A maior Chinatown americana, onde se pode comprar comidas que a maioria de nós jamais poria na boca, como pepino do mar seco, faz divisa com North Beach, o bairro italiano (a única fronteira sino-italiana do mundo) com seus inferninhos e bares de música ao vivo. Castro, o bairro da comunidade GLBT, sediou as pioneiras manifestações na luta pelos direitos civis dessas minorias e foi cenário da primeira passeata do orgulho gay do mundo.  Fica aos pés dos Twin Peaks, imortalizados pela série de David Lynch. Em suas ruas pacatas, as vitrines exibem “consolos” em todas as cores, texturas e tamanhos emoldurando cartazes de shows eróticos, tudo ao lado de prosaicas mercearias de bairro e cafés convidativos. Um deles homenageia Harvey Milk (imortalizado no filme “Milk”), o primeiro político assumidamente gay dos Estados Unidos. Em Ashbury Heights o "flower power" está vivo e se mexendo: lojas de ervas exalam baratos, outras vendem saias ciganas e camisetas "tie&die" ao lado de estúdios de piercing e tatoo. Tem ainda a livraria Bound Together, especializada em títulos anarquistas e afins. Mais badalado, o Fisherman’s Wharf, antigo entreposto pesqueiro, virou uma espécie de arapuca-de-tirar-dinheiro-de-turista, mas dali se pode partir em uma bicicleta alugada até a Golden Gate, inclusive atravessando-a em direção a Salsalito, se você estiver disposto e em forma. Ali também se pode saborear a cremosa e autêntica “clam shouder” (sopa de frutos do mar) servida em cuia de pão italiano na padaria Boudin, onde pães que seguem a mesma receita trazida da Itália na época da corrida do ouro perfumam todo o quarteirão e provocam filas que se estendem pela calçada quase o dia inteiro. Dezenas de leões marinhos descansam e fazem barulho nas balsas de madeira construídas especialmente para atraí-los. Abstraindo o burburinho dos turistas, é possível saborear de graça a brisa fria e úmida que vem do Pacífico para formar os densos nevoeiros que alternadamente encobrem e revelam as cores avermelhadas da Golden Gate, ouvir o pio incessante das gaivotas, apreciar a visão dos veleiros que passam em alta velocidade e o voo em fila indiana dos albatrozes diante da ilha de Alcatraz, tudo isso sem gastar um "dime".

(continua)

Casas vitorianas (essas são as "Painted Ladies") e arranha céus.

Alimentos inusitados em Chinatown.

Bairro Castro: O estandarte do arco-íris foi criado em São Francisco.

O flower-power ainda manda em Ashbury Heights.

O novo e o velho em harmonia.

Fim de tarde próximo ao Fisherman's Wharf: curtir a brisa, a vista de Alcatraz, os veleiros e as aves marinhas é de graça.

Um comentário:

  1. Gostei, Ralph! Turismo no estilo hippie, né? Sem gastar um dime...

    Muito boas dicas!!! E as fotos estão especiais, mostram bem o seu olhar sobre a cidade!

    Pensa em rever os filmes? Sou adepta da sua prática de preparação do espírito e ambientação do coração, mas gosto ainda mais da sensação de rever o local. Espero passar um certo tempo após o retorno às terras canarinhas e pego o filme para assistir. Parece que estou passando novamente pela locação, revivendo os bons momentos...

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