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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O deus ostentação

Eu sempre quis entender o que leva tantos jovens a enveredar pelos descaminhos do crime. Pobreza, apenas, é explicação simplista, embora muito cara a certas correntes ideológicas. Os pais e os avós desses jovens quase certamente eram bem mais pobres que eles. Os pobres da minha infância eram muito pobres: moravam em barracos de tábuas e chão de terra batida, carregavam latas d'água na cabeça (como dizia o samba) e iluminavam a escuridão com lampião de querosene. Mas, mesmo com tantas adversidades, não escolhiam o caminho do crime. 

Não é apenas prendendo, muito menos matando estes jovens criminosos que vamos dar solução definitiva ao problema, embora a sensação de impunidade certamente incentive a criminalidade. O que eu quero dizer é que só com aumento da repressão policial ou pior, fazendo-se justiça pelas próprias mãos, como acreditam tantos cidadãos decentes que proclamam que "bandido bom é bandido morto", vamos dar solução a isso. Na verdade, milhares de jovens criminosos morrem todo ano em confronto com a polícia ou pelas mãos de outros criminosos, incluindo-se aí os criminosos que se autodenominam "milicianos". Outros milhares são trancafiados em presídios, de onde a maioria sai brutalizado e com pós-graduação em bandidagem. A cada um que é preso ou morto, parecem surgir outros dois para continuar a escalada criminosa. Não há solução através da repressão, apenas. Há que se tentar entender qual é essa a motivação irresistível que a vida de crimes tem para tantos.


Esses jovens criminosos de hoje têm mais escolaridade, comem melhor e moram melhor que seus pais. Então, porque optam pelo crime quando seus pais, mesmo mais carentes, persistiram na honestidade? A desigualdade tem sua parcela de culpa, claro. Mas, então, porque a criminalidade só cresce enquanto a pobreza e a desigualdade têm sido reduzidas?


Eu hoje acredito que o fato de vivermos em uma sociedade onde TER, CONSUMIR e OSTENTAR são impingidos de forma massacrante em todos os níveis sociais tem parcela significativa na explicação. Não à toa, o funk ostentação é sucesso entre jovens de todas as classes, em especial entre os mais pobres. Há um visível esgarçamento moral. Trabalho, esforço, determinação e respeito ao próximo não dão "Ibope" para grande parte dos jovens. É o prazer que tem que ser alcançada agora, já. Ninguém parece saber ou, se sabe, estar disposto a explicar a diferença entre prazer e felicidade. A felicidade demora e dá trabalho, enquanto o prazer pode ser imediato. Prazer pode-se comprar através de drogas, sexo ou ostentação objetos que denotem riqueza ou poder, e é isso que seduz tantos, e os jovens das classes menos favorecidas não são exceção. Drogas e idolatria do consumo explicam  em grande parte essa tragédia que, apesar de atingir uma ou outra vítima jovem de classe média (e aí sim vira notícia), é devastadora principalmente entre jovens pobres e pretos. Os próprios pais muitas vezes tentam, muitas vezes com sacrifício, fornecer os objetos de consumo que vão, acreditam, tornar o filho respeitado por este critério torto. Quando não há quem os forneça espontaneamente, os jovens que se rendem aos apelos da mídia buscam os atalhos do crime para poderem ostentar tênis de marca, cordões de ouro ou de prata, I-phones e roupas de grife. Claro, tem muita gente mais rica e mais instruída que adora estes mesmos deuses: drogas (felicidade química), aparência (plásticas, botox, sessões de 500, 800, mil reais no cabeleireiro) e consumo desenfreado. Depois reclamam. Eles se acham no direito de ostentar porque têm como pagar. Os pobres também querem, mas não têm como bancar a ostentação. Então partem para o crime. Não justifica, mas explica. Vivemos no templo do deus ostentação.

domingo, 10 de agosto de 2014

Adeus à aquarela

A necessidade de se expressar através da arte é universal e tão
antiga quanto a espécie humana.
Há uma semana decidi que era hora de dar um tempo em minhas aulas de aquarela. Frequentei aulas com Renato Alarcão por três anos. Continuava sendo um grande prazer comparecer àquele compromisso nas segundas à noite, mas aos poucos fui me dando conta de que ultimamente o maior motivo para eu continuar à frequentá-las era a conversa, não só com Renato (que hoje é um bom amigo) como com meus colegas Chrystiane, Lívia, Dudu e Basílio, os quatro que, comigo, formavam ultimamente o hardcore da turma, fora o público flutuante. Todos gente fina, interessante, inteligente e de sensibilidade artística. Na última aula percebi que estava falando demais e pintando de menos, atrapalhando o andamento da aula. Hora de dar não um adeus, mas um até logo.

Uma vez perguntei a um colega médico qual era seu hobby. “Como assim, hobby?”, ele estranhou a pergunta. “Aquilo que você gosta de fazer quando não tem nenhuma coisa que precise ser feita.” “Ah, sim! Eu gosto de ler jornal.” Como assim???

Para mim é difícil conceber que alguém viva uma vida inteira sem tentar se expressar artisticamente de alguma forma. Que dedique seu tempo livre apenas a dormir, beber cerveja, perambular pela internet ou ver TV. O mundo com toda a sua beleza e complexidade e os homens e mulheres, com suas grandezas, misérias e angústias, das quais compartilhamos todos, me são impactantes demais para que eu não me deixe arrastar e me assombrar a cada dia, a cada palavra, a cada paisagem. Daí, a necessidade de tentar de alguma forma expressar como a vida me afeta, como eu a percebo e sinto. É uma urgência tão básica quanto a respiração. Então eu flerto com a fotografia, com a pintura e com a literatura, tanto consumindo e admirando o fazer dos artistas de verdade como me arriscando nessas formas de expressão. Sem isso, me deprimo.

Cada um de nós tem uma visão da vida de um ângulo peculiar, e podemos mostrar ao mundo essa visão original. Nós nem ninguém tem a visão completa e definitiva, e ver pela experiência do outro enriquece a compreensão da existência.

Agora estou fascinado pela fotografia, em especial pela foto de aves, paixão da vez despertada pela enorme variedade de pássaros que aparecem em nosso sítio na serra. A maior parte deles era desconhecida para mim. Comecei então a fotografá-los e a tentar saber quais eram. Na sequência natural, descobri que tem muita gente que também curte reconhecer, fotografar e gravar o canto de pássaros. Ponto de partida para novas amizades, o efeito colateral saudável de todos os hobbies.


“Ah”, dirão, “mas eu não tenho talento artístico.” Todo mundo (ou quase?) tem uma habilidade, um interesse, uma coisa à qual gostaria de se dedicar se tivesse tempo. E tempo é questão de prioridade. Pode ser culinária, pesquisa histórica, literatura, um esporte qualquer, desde alpinismo até xadrez, bordado, carpintaria jardinagem ou astronomia. Algo a que se possa dedicar pelo puro prazer da coisa, sem expectativa de ganho financeiro e independente de reconhecimento. Sugiro que todos encontrem um interesse e dediquem-se a ele. Deixe sua marca, diga como você vê a vida. É uma forma de não morrer.